Rio - O moleque nascido e criado no bairro de Água Santa, subúrbio carioca, nunca esqueceu do dia em que viu de boca aberta a exibição de gala de craques como Vavá, Bellini, Sabará e Coronel, no velho Maracanã. Naquele tarde distante dos anos 1960, o coração de Paulinho disparou e passou a bater mais forte pela Cruz de Malta.
E lá se vão mais de meio século de amor incondicional ao Vasco da Gama, em que Paulinho virou Alfinete — o lateral esquerdo que brilhou nos anos 1970 e que há três décadas virou funcionário de São Januário. Mas os últimos anos têm sido de cortar o coração. A ameaça de um segundo rebaixamento machuca e atormenta Alfinete, que se recusa a acreditar no pior.
“Estou sofrendo, meu coração está machucado. É uma pena, porque o nosso presidente foi um excelente jogador. Mas infelizmente o clube passa por turbulências. Fez um time às pressas e para ajustar não está fácil. Mas temos chance se vencermos os jogos que faltam”.
Do alto de seus 64 anos, o ex-lateral acredita que só existe uma saída para o Vasco fazer valer a fama de time da virada.“Acho que o problema não é treinador. Os jogadores precisam conversar mais, ficar mais juntos. Teve uma época, em que passamos por um momento difícil no Brasileiro e pedimos ao nosso treinador (Mário Travaglini) para ficarmos concentrados a semana inteira. Não íamos em casa, só os casados. Abraçamos aquela causa, nos sacrificamos e conseguimos sair. Agora, só eles podem mudar essa situação”, decreta.
Racismo
Misto de gerente da concentração do profissional e observador técnico, Alfinete já fez um pouco de tudo nos 31 anos em que trabalha no Vasco.
“Depois que deixei de ser atleta, fui treinador e coordenador do infantil e juvenil.Hoje tomo conta dos profissionais quando eles concentram aqui. Mas quando precisa observo jogadores, vou em peneiras”, diz orgulhoso o ex-jogador,que fez o curso de treinador, mas desistiu da profissão por achar que há racismo no meio.
“O pessoal da cor não consegue ser treinador, normalmente trabalha na base ou é auxiliar-técnico. Quantos técnicos negros trabalham no Brasileiro? O Jaime, o Cristóvão? Não é pouco? As chances são pequenas e o meio é muito fechado, não é legal”, opina Alfinete, que desistiu da carreira. “Também tem muita pressão. Mas não sofro com isso. Nunca foi minha paixão”.
Lateral fez gol decisivo no título de 1974
A decisão do Campeonato Brasileiro de 1974 não sai até hoje da cabeça de Alfinete. No primeiro jogo, no Mineirão, ele foi protagonista. Marcou o gol do empate em 1 a 1, deixando o Vasco mais perto do título.
“O Vasco perdia por 1 a 0 mas eu consegui empatar. Fiz o gol aos 40 minutos do segundo tempo. Aquela foi uma das maiores emoções da minha vida”, relembra Alfinete, que não se esquece da jogada. “Teve um cruzamento na área, a defesa do Cruzeiro tirou de cabeça, e eu peguei de primeira vencendo o Raul. Foi um golaço”, relembra, orgulhoso.
No segundo jogo, o lateral teve muito trabalho para marcar Nelinho, mas no fim, o Vasco venceu por 2 a 1 com um gol de Jorginho Carvoeiro. “Comemoramos o título por uma semana. Foi uma alegria sem fim”, recorda-se.
Ausência da Seleção não incomodou
Quando perguntam a Alfinete porque ele nunca foi lembrado para a seleção brasileira, o ex-lateral não perde a linha e dá uma resposta bem-humorada.
“Naquela época tinha o Rogério, o Cafuringa, que corriam à beça. E ainda tinha o Hilton. Também joguei contra o Gil, o Zequinha. Tinha que bater muito (rs). Como pegava só os melhores, como ia ser convocado pra Seleção?”, argumenta, o ex-jogador que na época tinha como rivais na Seleção Marinho Chagas, Everaldo e Marco Antonio.
Em 1977, Alfinete foi vendido ao Uberaba. Ele ainda jogou no Democrata-GV, antes de encerrar a carreira aos 29 anos.