Por bianca.lobianco

Rio - Mais de seis meses depois do pior desastre ambiental da História, com rompimento de uma barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), a vida dos pescadores das regiões afetadas pela lama permanece conturbada e incerta. Os peixes voltaram às águas no Rio Doce, mas agora vêm acompanhados de resíduos, metais pesados cancerígenos. O nível de contaminação de algumas espécies pode chegar a até 140 vezes acima do permitido. Impedidos de comercializar o pescado, artesanais estão recebendo um salário mínimo por mês. Mas pescadores de lazer vêm arriscando a saúde ao consumir peixes do rio.

Alheio às pesquisas%2C pescador de lazer exibe peixe capturado semana passada%3A “O rio está vivo de novo”Divulgação

Do litoral norte do Espírito Santo até o Sul da Bahia, pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) encontraram alta concentração de arsênio, cádmio e chumbo em amostras de água e espécies marinhas. Foi avaliado o impacto em toda a cadeia alimentar.

No camarão, foram encontrados até 88 microgramas de arsênio por quilo (µg/kg) e 2,7 de cádmio e chumbo, enquanto o nível máximo permitido seria de 1 µg/kg e 0,5, respectivamente. No peixe roncador, os números foram ainda mais assustadores: 140 de arsênio, 0,6 de cádmio e 1,7 de chumbo, quando o normal seria de até 1 micrograma de arsênio por quilo, 0,005 de cádmio e 0,3 de chumbo.

As amostras de água do mar também apresentaram resultados preocupantes. O professor Adalto Bianchini, chefe da pesquisa, identificou uma quantidade de chumbo de até 96 microgramas por litro, enquanto o limite na legislação é de 1. De cobre dissolvido, a medição mais alta foi de 47, ao passo que o limite é de cinco. De cádmio, 11,8 microgramas por litro, contra uma máxima de cinco. “Essa lama enriquecida por metais pode gerar estresse oxidativo em corais, peixes e outros organismos”, avaliou Bianchini.

A Justiça proibiu a pesca nos 853 quilômetros de extensão do Rio Doce, e a tendência é que continue assim por cinco anos. Enquanto isso, cerca de 3 mil pescadores sobrevivem com um salário mínimo (R$ 880), pago pela Samarco, até a conclusão do processo judicial. Para o advogado Leonardo Amarante, que representa pescadores da região, os danos materiais levarão em conta o tempo de interrupção, multiplicado por quanto eles ganhariam mensalmente em condições normais.

Adepto do pesque solte (quando o peixe é liberado vivo após ser pego), o estudante Juliano Sá, morador de Colatina (ES), vibrou ao fisgar robalos de bom tamanho no Rio Doce na semana passada. Era sua primeira pescaria seis meses após a tragédia. “Há muitos robalos. O rio está vivo outra vez”, comemorou. No entanto, diz ele, alguns pescadores de lazer estão comendo o peixe contaminado e ameaçando a saúde.

PERDAS DE US$ 5,2 BI

Tragédia que quebra recordes 

O rompimento da barragem da Samarco é a maior tragédia desse tipo nos últimos 100 anos. O número de rejeitos despejados é estimado em cerca de 60 milhões de metros cúbicos, que representam praticamente a soma dos outros dois maiores desastres nesse período de tempo, de acordo com estudo da Bowker Associates, consultoria de gestão de riscos, em parceria com o geofisico David Chambers.
Os recordes negativos não se limitam à quantidade de rejeitos. A lama da Samarco é a que percorreu a maior distância em todos os tempos. Já são mais de 600 quilômetros percorridos, e ainda não parou de se estender. O segundo lugar dessa indesejável lista fica com um caso na Bolívia, em 1996, onde os rejeitos andaram 300 quilômetros.

Outra liderança negativa da tragédia envolve o custo para tentar compensar os danos provocados pela lama. O investimento necessário para repor as perdas está calculado pela consultoria norte-amercana em 5,2 bilhões de dólares, até o momento. O maior valor orçado com a mesma finalidade, segundo eles, foi um acidente com perdas de cerca de R$ 1 bilhão, na China.

O estudo mapeou 129 eventos com barragens. Até 2015, foram registrados 70 casos muito graves — que tenham causado, cada um, o vazamento de no mínimo 1 milhão de metros cúbicos de rejeitos.

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