Por thiago.antunes

Caracas - Lixo em decomposição, escombros e poucos manifestantes: o apelo da oposição venezuelana para manter os bloqueios nas ruas tinha pouca adesão neste sábado, um dia antes da eleição da polêmica Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro.

O bairro de Chacao, na Zona Leste de Caracas, é o epicentro dos protestos, enquanto em outras partes da capital venezuelana o clima era de relativa normalidade. "Eu dormi aqui e permaneço o dia todo. Não vamos sair. Estou aqui porque minha mãe morreu de câncer sem conseguir remédios e eu fiquei na rua", disse à AFP Endderson, que preparava uma barricada em Chacao.

Primeiro dia de greve geral na Venezuela foi marcada por mortes em confrontosAFP

A oposição pediu a continuidade dos bloqueios neste sábado e a tomada das principais vias do país no domingo, quando serão eleitos os mais de 500 integrantes da Assembleia que redigirá uma nova Constituição. Os críticos afirmam que a votação é uma maneira de Maduro perpetuar-se no poder.

A oposição afirma que não teme a proibição do governo a protestos que afetem a votação e sua ameaça de prisão por até 10 anos dos envolvidos. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) flexibilizou os requisitos de votação, com a permissão aos eleitores para votar em qualquer centro de seu município.

"Esta luta começou antes da Constituinte e não pode ser freada pela Constituinte. É por eleições, a liberdade dos presos políticos, a mudança. Depois de segunda-feira, vem o aprofundamento desta crise", afirmou o deputado opositor Freddy Guevara.

A oposição não participará na eleição, que considera uma "fraude" para perpetuar o presidente no poder.  "Maduro, você colocou a corda no pescoço, jogou sua última cartada...", advertiu o líder opositor Henrique Capriles.

Maduro reiterou na sexta-feira que não vai recuar em sua decisão sobre a Constituinte. 

"Nos resta jogar uma carta, a carta que vai ganhar este jogo, e esta carta é a Assembleia Nacional Constituinte", afirmou o presidente, para quem a iniciativa trará paz e estabilidade econômica ao país.

O bloqueio das ruas convocado pela oposição na sexta-feira terminou com um jovem de 18 anos morto, vítima de um tiro, na cidade de San Cristóbal, estado Táchira (oeste). O número de mortos em quatro meses de protestos contra Maduro chega a 113.

Na sexta-feira foi preso o prefeito opositor do município Iribarren (estado Lara, oeste), Alfredo Ramos, por supostamente não remover as barricadas durante as manifestações, como ordenou o principal tribunal do país. E neste sábado será apresentado a um tribunal de Caracas o violinista dos protestos, Wuilly Arteaga, que foi detido na quinta-feira por militares, segundo a ONG Foro Penal.

'Melhor estar preparado'

De acordo com o instituto Datanálisis, a Constituinte é rejeitada por 72% dos venezuelanos. A tensão aumenta com os protestos da oposição, um dia antes da eleição da Constituinte, em um país imerso em uma severa crise econômica, com escassez de alimentos e remédios, além duma inflação elevada.

As tradicionais filas eram observadas em supermercados da capital e no estado vizinho Vargas. O governo americano pediu a seus a seus diplomatas que retirassem suas famílias da Venezuela e o Canadá recomendou a seus cidadãos que deixassem o país.

A companhia aérea Avianca cancelou os voos com destino a Caracas, a Air France anunciou a suspensão de domingo a terça-feira, enquanto a Iberia suspendeu os voos de domingo a quarta-feira.

"Comprei comida para os próximos dias. Estados Unidos pediram a retirada de seus cidadãos, meu chefe foi embora e não sabemos quando volta. Melhor estar preparado", disse à AFP Maximiliano, de 34 anos. 

Maduro rejeitou a pressão internacional contra a Constituinte. Na quarta-feira passada, o governo dos Estados Unidos anunciou sanções a 13 funcionários e militares venezuelanos, incluindo a presidente do CNE, Tibisay Lucena, acusados de "minar a democracia", de atos de violência ou corrupção.

O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, telefonou ao líder opositor venezuelano Leopoldo López, que está em prisão domiciliar, para reafirmar a promessa do presidente Donald Trump de responder com mais sanções econômicas à formação de uma Constituinte.

Maduro acusa a oposição de tentar um golpe de Estado com o apoio de Washington. Também chamou de submissos os governos da América Latina e Europa que criticam a Constituinte.

Analistas consideram que a rejeição à Constituinte afeta sua legitimidade, o que leva o governo a mobilizar suas bases para evitar uma alta abstenção, depois dos 7,6 milhões de votos que a oposição afirma ter registrado no plebiscito simbólico que organizou há duas semanas contra a iniciativa.

Mas com o método de votação, que combina sufrágio por territórios e setores sociais, 62% dos 19,8 milhões de eleitores poderão votar duas vezes, o que dificulta o cálculo de participação, segundo o especialista em eleições Eugenio Martínez.

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