Por rodrigo.sampaio

Caracas - Mais de oito milhões de venezuelanos votaram neste domingo para definir os integrantes da Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro, rejeitada pela oposição e vários governos, durante um dia de eleição violento que terminou com 10 mortos.

"É a maior votação que a Revolução Bolivariana conseguiu em toda a história eleitoral em 18 anos", disse o presidente, diante de centenas de seguidores que celebravam na praça Bolívar, centro de Caracas.

Maduro comemorou resultado de Constituinte e disse ter começado uma 'nova era' no paísAFP

Mais de oito milhões de venezuelanos (41,53%) votaram, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). "Chegou o momento de uma nova história", completou Maduro.

Mas a oposição, que não participou na votação que considerou "fraudulenta", e vários países, incluindo os Estados Unidos, não reconhecem os resultados por considerar que o projeto de Maduro sepulta a democracia na Venezuela.

'Eleição viciada'

Em um comunicado divulgado pelo Departamento de Estado, Washington "condenou" a eleição "viciada" e anunciou que continuará "adotando medidas enérgicas e expeditivas contra os artífices do autoritarismo na Venezuela".

Por sua vez, Maduro respondeu os EUA de maneira ríspida: "Que c****** nos importa o que diga Trump", respondeu Maduro.

A oposição, que boicotou a votação, convocou protestos nesta segunda-feira em todo o país e na quarta-feira em Caracas, contra a instalação da Constituinte.

"Não reconhecemos este processo fraudulento, para nós é nulo, não existe", disse Henrique Capriles, ao convocar os protestos em nome da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).

Mortes

Dois adolescentes estão entre os mortos durante as manifestações. Em muitos casos, esses atos se tornaram uma batalha campal travada com bombas de lacrimogêneo, balas de borracha, pedras e coquetéis molotov.

Dez pessoas morreram durante confrontos deste fim de semana na VenezuelaAFP

Um candidato à Constituinte faleceu na noite de sábado, mas ainda não se sabe se a motivação foi política. Ao todo, dez pessoas morreram durante os protestos deste fim de semana. Com essa escalada da violência, chega a 125 o número de mortos em quatro meses de manifestações pela saída de Maduro.

'Ordem'

Para Maduro, a votação da Constituinte representa o início de uma nova era. "Esta é uma Constituinte para impor ordem", enfatizou o presidente em seu discurso, no qual criticou os líderes da oposição.

"Acabou a sabotagem da Assembleia Nacional, é preciso impor ordem (...). Será necessário retirar a imunidade parlamentar...", advertiu Maduro, fazendo alusão direta ao fato da oposição ter a maioria no Parlamento desde janeiro de 2016. 

Em tom de ameaça, Maduro mencionou a possibilidade de "tomar o comando" da Procuradoria, depois que a procuradora-geral Luisa Ortega rompeu com o governo e se tornou uma de suas principais adversárias.

"O que acreditam que (a Constituinte) deve fazer com a Procuradoria? Reestruturá-la de imediato, declará-la em emergência e tomar o comando para que exista justiça", disse.

Apesar do discurso radical, Maduro propôs um "diálogo nacional" para resolver a grave crise política do país, que sofre com uma escassez de alimentos e medicamentos, além de uma brutal inflação.

Um diálogo entre governo e oposição, mediado pelo Vaticano, fracassou no fim do ano passado.

O presidente anunciou que em 6 de agosto começará a inscrição de candidatos a governadores e se disse pronto para estas eleições, previstas para dezembro.

As eleições de governadores deveriam ter acontecido em 2016, mas foram adiadas quando a oposição tentava aprovar um referendo revogatório do mandato de Maduro, que o CNE não autorizou.

Isolamento internacional

Na semana passada, os Estados Unidos puniram 13 funcionários e militares próximos a Maduro, entre eles a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena. Eles foram acusados de ruptura da democracia, violação dos direitos humanos e corrupção.

México, Colômbia, Panamá, Argentina, Costa Rica, Peru, Paraguai e Espanha também anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade da Constituinte. O Brasil fez um apelo às autoridades venezuelanas para que suspendam a instalação da Assembleia.

"O governo se prepara para um cenário de isolamento internacional severo e tenta unificar seus quadros contra o inimigo externo", disse o analista Luis Vicente León.

"Esta Constituinte nasce banhada em sangue. Nasce ilegítima porque é muito difícil auditar a quantidade de pessoas, mas tecnicamente podemos verificar que aconteceram muitas irregularidades", disse o analista Nícmer Evans, um socialista crítico de Maduro.

Pero a ex-chanceler e candidata Delcy Rodríguez a Constituinte "não é para aniquilar o adversário", e sim para promover o diálogo.

'Cavar seu próprio túmulo'

Maduro e sua Constituinte contam com apoio dos poderes Judiciário, Eleitoral e Militar. Mas 80% dos venezuelanos rejeitam sua gestão e 72% seu projeto, segundo o instituto Datanálisis.

"Maduro está muito enfraquecido e sendo pressionado. Se respeitar a Constituição e convocar eleições, o chavismo seria perdedor. Com essa aposta, rejeitada em massa no país e no exterior, tenta ganhar tempo e se perpetuar no poder", disse à AFP o presidente do Inter-American Dialogue, Michael Shifter.

Para muitos, isso pode acelerar o fim do chavismo. "A cada segundo, o que o governo faz é cavar seu próprio túmulo", alfinetou o presidente do Parlamento, Julio Borges. 


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