Por marina.rocha

Niterói - Sala, cozinha, dois ou três quartos, área de lazer, tudo isso com vista para o mar. Ou melhor: no mar. É exatamente assim que vivem alguns niteroienses que trocaram a moradia em terra firme para viver num barco. No Clube Naval de Charitas há oito pessoas vivendo em embarcações. Mas, para morar ali é preciso pagar uma taxa de R$ 500 pela permanência no local, uma espécie de ‘condomínio’, valor que dá direito a utilizar toda a infraestrutura do estabelecimento, que inclui sauna, piscina, quadra de tênis, salão de jogos, restaurante, além de outras vantagens.

Silvio e Emília deixaram o apartamento em terra firme para os filhos e se mudaram para o veleiroAlexandre Vieira / Agência O Dia

A mudança do empresário Silvio Viegas, de 53 anos, para o barco aconteceu em 2006, mas foi por acaso. Dono de uma embarcação desde 2002, ele passou a morar no mar após sair da casa da esposa, a também empresária Maria Emília Mourão, de 47 anos, a única mulher da vizinhança. Mas o casamento não acabou, pelo contrário. Semanas depois, ela também deixou o apartamento, que ficou com as filhas dela, e foi viver com Silvio no veleiro.

“Vínhamos sempre passar o fim de semana. Então, percebemos que era possível viver aqui porque tem tudo o que a gente precisa. Fui montando e equipando o veleiro aos poucos. É maravilhoso viver assim, uma tranquilidade”, conta Silvio.

Ele e Maria Emília são vizinhos do médico José Valter Goloni, de 70 anos. Ao contrário do casal, a mudança dele para o mar foi planejada. “Tenho barco há 30 anos. Vim para cá depois da separação, mas sempre tive vontade de um dia morar aqui. Estou nessa vida há oito anos e não a troco por nenhum apartamento, nem que ganhasse um de presente. É uma vida saudável. Aqui, já acordo sorrindo todos os dias”, conta ele, que mora numa embarcação imponente.

O barco de Goloni tem três quartos e uma sala ampla, mede 36 pés e está avaliado em módicos R$ 150 mil. A capacidade é para 10 pessoas. Apesar do tamanho, é bem mais barato que o de Sílvio, com 37 pés e avaliado em quase R$ 1 milhão. Nele, cabem até 9 pessoas. “É um barco muito bem equipado”, conta o empresário.

A moradia é nada convencional, mas os moradores garantem que a rotina é igual a de qualquer pessoa do asfalto, apesar do balanço da embarcação. Todos os dias eles saem de ‘casa’ para trabalhar e voltam. Não há restrição de hora para entrar ou sair do clube. Nos dias de folga, rola almoço no barco do vizinho ou churrasco na área de lazer do clube. Eles também podem receber visitas, desde que o clube seja avisado com antecedência.

Goloni na ‘varanda’ da sua casa diz que não troca o barco por um apartamento. “É uma vida saudável”Alexandre Vieira / Agência O Dia

“A gente se acostuma com o balanço. E, em dias de vento e tempestade, aqui dentro é mais seguro que em qualquer casa”, garante Silvio. “Levamos uma vida normal como qualquer outra pessoa, até melhor”, avalia ele. “Não temos problemas de segurança, é perto do Centro e silencioso”, elogia Goloni, que só deixa o local no Carnaval, quando viaja para o exterior. Dono de um laboratório de análises clínicas na Praça 15, no Rio, ele brinca: “Só não trabalho de barco porque lá não tem lugar para estaciona-lo”.

Rotina muda e exige adaptação

Se os moradores garantem levar uma vida normal apesar da vida num barco, o dia a dia num veleiro tem suas peculiaridades. Situações cotidianas no universo feminino, por exemplo, costumam ficar complicadas ou até mesmo impossível. Andar de sapato é uma delas. E de salto, nem pensar. Para sair do barco subindo a plataforma que leva até o píer, Maria Emília tem que segurar o calçado de salto na mão. Às vezes, é preciso de uma ajudinha de Silvio.

Mas ela confessa que gosta de viver dessa forma e que se sente orgulhosa quando fala que mora num veleiro e as pessoas ficam surpresas. “Minhas filhas adoram contar que moro num barco”, diverte-se.

Para a empresária, a nova vida também trouxe um aprendizado. “Morar num barco é aprender a viver com pouco, com o necessário. Como o espaço é pequeno, temos apenas o que usamos. E isso vai desde os utensílios domésticos até objetos pessoais. Agora sempre que vejo algo que gosto, antes de comprar, penso se estou precisando”, revela Maria Emília.

Moradores viajam e levam a casa junto

As pessoas quando viajam levam o que precisam na mala, certo? Nem sempre. Os moradores do Clube Naval de Charitas levam a casa.

“Isso é ótimo porque não precisamos desarrumar nada em casa e nem tirar nada do armário”, comemora Maria Emília.

O barco dela e de Silvio tem capacidade para chegar até Salvador, na Bahia, sem abastecer. Mas eles não costumam ir muito longe. Angra dos Reis, no Sul Fluminense, e passeios pela Baía de Guanabara, com preferência pela Urca, no Rio, são os destinos mais procurados pelo casal.

Embarcações têm cômodos amplos. A sala de Goloni tem TV de led%2C sofás e mesa para receber as visitasAlexandre Vieira / Agência O Dia

“Mesmo perto, costumamos dormir fora nessas viagens, por isso sempre vamos com outros barcos por medida de segurança”, conta Silvio. Goloni também nunca se aventurou por mares distantes, mas costuma fazer pequenos passeios por perto. O médico revela qual é a maior vantagem de viajar e poder levar a ‘casa’. “Paro em um lugar. Se o vizinho for chato, eu me mudo”, brinca ele.

Pra não quebrar

Devido ao balanço do mar, não se pode utilizar utensílios domésticos de vidro, apenas de acrílico ou policarbonato. O fogão precisa de um um mecanismo que segura as panelas e um estabilizador. 

Tudo se aproveita

Nas embarcações, todo cantinho precisa ser aproveitado. Na de Silvio, por exemplo, o freezer e a geladeira são em forma de armários. As portas fechadas se transformam em uma bancada.

Móveis inusitados

O reservatório de água do barco também pode servir de sofá. Já o tanque de combustível pode ficar escondido e simular um armário. Na sala sobra até espaço para uma mesa para refeição.

Economia

Para não produzir muito lixo, nada descartável é permitido como copos e pratos. Não há desperdício de água, porque ela é racionada — a roupa é lavada fora — e a preferência é pelo uso da luz do sol.

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