Por bferreira

Rio - Urbanizar favelas, dotá-las de infraestrutura como a existente no resto da cidade, sai caro. Mesmo as ocupadas pela polícia, que receberam UPPs e alguns outros investimentos, ainda dispõem de uma rede de serviços precária. Para disfarçar, governos resolveram usar a língua portuguesa para driblar o problema. As favelas continuam com suas dificuldades, mas passaram a ser chamadas de “comunidades”, denominação que acabou assumida até por parte da imprensa.

O substantivo costuma vir colado ao adjetivo “carente”. É como se houvesse um pacto: não teríamos mais favelas, mas comunidades carentes. A pobreza é igual, os rios de esgotos são os mesmos, as habitações pouco mudaram, os casos de hanseníase e tuberculose ratificam a miséria. Mas a favela deixou de ser chamada de favela, e isso seria o suficiente.

Palavras não são inocentes, revelam, mesmo sem querer, as intenções e preconceitos de quem as pronuncia ou escreve. Ao fugir da palavra “favela” — uma das poucas da língua portuguesa que se internacionalizaram —, tenta-se jogar a pobreza para uma espécie de exílio. O engraçado é que a medida contaminou o sinônimo escolhido: nenhum morador de condomínio fechado da Barra diz viver numa “comunidade”. Agora, isto é coisa de pobre. A palavra “carente” passou a ter dois significados. No universo dos ricos e remediados transmite a ideia de falta de carinho, de amor. Em relação aos pobres, o significado é mais direto, tem a ver com falta de grana.

Ao longo dos anos, os jornais aprenderam a abrir mão de eufemismos, das palavras e expressões que tentavam apenas amenizar seus significados. Câncer deixou de ser “insidiosa moléstia”, morte passou a substituir “falecimento”. Em outros casos houve uma regressão. Não há mais prostitutas — palavra que tão bem define o exercício da tal atividade —, mas “garotas de programa”. Ao adotar esta lógica, a imprensa se iguala a um antigo ministro da Fazenda que, para não admitir a recessão, declarou que o país tivera um “crescimento negativo”.

Encarar os problemas é o primeiro passo para resolvê-los. Ao insistir em chamar favela por algum apelido, a sociedade busca um jeito de evitar o constrangimento gerado pela pobreza crônica e revela sua pouca vontade de transformar a situação de tantas e tantas pessoas. Com o uso de palavras mais bonitas, tenta chutar a favela para bem longe.

Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odia.com.br

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