Por paulo.gomes

São Paulo - A fartura de evidências apontando que a chacina de Brasilândia, na Zona Norte da capital paulista, pode ser um caso de quadruplo homicídio seguido de suicídio não evitou a ressurreição das teorias conspiratórias. “Queima de arquivo” e “retaliação” do crime organizado são as suspeitas mais frequentes levantadas nos comentários postados por leitores no iG e nas redes sociais sobre autoria e motivação da tragédia que chocou o País.

Militares eram considerados excelentes e o garoto sem problemas na escola ou na famíliaReprodução Internet

Embora ainda seja cedo para conclusões, entender o caso é tarefa para especialista: “Esse crime não se explica sem uma pitada de anormalidade”, ensina o veterano psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, que há mais de 40 anos ajuda o judiciário paulista a sentenciar autores de crimes do gênero.

“Como causa original, as evidências mostram que o menino se encontrava em estado de alienação mental”, diz Palomba. Para ele, embora ainda seja necessário “garimpar” os antecedentes, os sinais revelam traços de anormalidade mental, típicos, conforme observa, de ação psicopatológica.

Há poucos dias o psiquiatra concluiu um estudo com cerca de 40 casos de parricidas e neles encontrou um traço comum: todas as mortes foram praticadas em dias próximos a datas festivas. Seu levantamento não incluiu a tragédia da família chefiada pelos policiais Pesseghini, ocorrida supostamente entre a noite de domingo e a madrugada de segunda. Mas o caso tem semelhança: aconteceu a uma semana do Dia dos Pais.

“Se fosse nos Estados Unidos, as pessoas não achariam estranho. O Brasil tem uma cultura bem diferente. É compreensível que a sociedade não aceite uma simples motivação porque o caso contraria a natureza humana. A polícia tem 30 dias para concluir e o fará de forma serena. Mas aparentemente as explicações devem ser encontradas pelos profissionais de psicologia”, diz o delegado Itagiba Franco, que coordena as investigações do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP).

Franco ressalva que a polícia, por cautela profissional, não descarta hipóteses, mas está concentrada nos indícios que apontam para quatro homicídios seguidos de suicídio, conforme apontam as primeiras perícias e as investigações de campo.

O menino Marcelo Pesseghini deixa o carro da mãe e segue para a escolaReprodução Vídeo

A incredulidade sobre motivação mais prosaica para crimes que chocam a sociedade fazem parte da literatura policial. Um deles ocorreu em 1985: o estudante Roberto Peukert Valente, na época com 18 anos, matou a tiros e facadas os pais e três irmãos. Quando a polícia chegou a ele, depois de descartar outras hipóteses por constatar que ninguém mais havia entrado na casa, ele confessou o motivo: a família reclamava que ouvia som sempre em volume alto.

Peukert está preso num manicômio judiciário e, se depender do último laudo expedido por Palomba – atestando que continua perigoso –, dificilmente ganhará a liberdade, embora a lei brasileira determine que ninguém pode ficar preso mais de 30 anos.

O outro episódio é o famoso caso da Rua Cuba, o mais misterioso crime ocorrido em São Paulo no último quarto de século. Na véspera do Natal de 1988, o advogado Jorge Toufic Bouchabki e sua mulher, a professora Marcia Cecília Delmanto Bouchabki, foram mortos a tiros na casa em que moravam, no número 109 da Rua Cuba, no Jardim América, uma das áreas mais nobres da capital.

As diversas perícias de local descartariam o ingresso de alguém fora do circulo familiar à residência. As suspeitas rondaram o filho do casal, o então estudante de direito Jorge Delmanto Bouchabki, que, embora tenha sido denunciado duas vezes, nem foi levado a julgamento. A justiça arquivou o processo e as dúvidas nunca foram esclarecidas.

O jurista Luiz Flávio Gomes também enxerga evidências de tragédia familiar no caso dos Pesseghini, inserido na patologia social que atinge comunidades como a paulistana onde, segundo ele, a morte é banalizada pela ausência de valores. “Vivemos numa sociedade que não fala mais em moral e ética”, diz ele.

Gomes acha que a banalização da violência adoeceu ao mesmo tempo a família e a polícia, esta última estruturada numa cultura de guerra em que treina basicamente para matar.

“O menino frequentava a corporação (PM paulista) e isso é desaconselhável porque se aprende a usar armas e matar. A se confirmarem as versões até agora investigadas, demonstrou muita técnica. Parecia um atirador de elite”, observou o jurista.

O psiquiatra Guido Palomba diz que é necessário observar a constelação familiar do casal de policiais em que se misturam, segundo ele, ingredientes de violência com a doença degenerativa hereditária do menino cujo tratamento, dependendo do tipo de medicamento usado, também pode ter contribuído para detonar a tragédia.

“O que está claro é que não há explicação para esse caso sem uma pitada, grande ou pequena, de anormalidade psicológica”, afirma Palomba.

O delegado Itagiba Franco garante que até agora não há qualquer indício que possa alterar a hipótese de o menino ter matado os pais, a avó e a tia e depois se suicidado. Na literatura da violência, a motivação predominante de crimes no Brasil é prosaica. A exceção fica por conta dos casos envolvendo políticos e policiais como suspeitos.

As informações são de Vasconcelo Quadros

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