São Paulo – Em audiência pública na tarde desta terça-feira na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a presidenta da Fundação Casa, Berenice Giannella, disse que o caso em que dois funcionários da Unidade João do Pulo, na Vila Maria, espancam e torturam seis adolescentes, embora seja gravíssima, é um episódio isolado. No dia 19 de agosto, o Ministério Público de São Paulo abriu uma investigação para apurar a ocorrência de tortura e de espancamento em internos da Fundação Casa.
“As cenas que foram mostradas na televisão são absolutamente pontuais na fundação. Não há violência sistêmica e isto foi reconhecido por juízes e [pelo] Ministério Público. Acho que o caso deve ser tratado como ele é: uma violência que ocorreu em uma unidade da fundação e que nós, imediatamente quando tomamos conhecimento, tomamos as providências necessárias afastando os funcionários e instaurando um procedimento administrativo disciplinar e pedindo para a polícia a instauração de um inquérito policial”, disse.
De acordo com a presidenta, todos os funcionários da fundação passam por capacitação, mas a capacitação, por si só, não é suficiente para conter episódios como esse. “E não é questão de capacitação. Caráter a gente não capacita. Como vou tirar a cultura da violência por meio da capacitação? Não tiro porque isso é caráter”, disse. Segundo ela, os funcionários que aparecem espancando e torturando os jovens no vídeo são pessoas “más, de má índole”. “E isso, infelizmente, tem na fundação, na polícia e no sistema prisional”, disse. “Não toleramos esse tipo de ato. Somos rigorosos e punimos esses funcionários. Existem sim atos de violência que não conseguimos coibir 100%. E qual instituição, neste país, coíbe 100% a violência?”.
Segundo Berenice, a fundação enfrenta muitas dificuldades, até para demitir funcionários. Muitas vezes, disse ela, os funcionários são demitidos por justa causa, mas a Justiça Trabalhista acaba determinando que ele seja readmitido. Para ela, a licença médica apresentada pelos dois funcionários acusados de agressão é falsa e não há ninguém para investigar sobre isso.
Durante a audiência pública, Berenice reclamou também que o inquérito policial que foi instaurado para apurar as irregularidades e as denúncias de maus-tratos “caminha a passos de tartaruga”. Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública informou que o inquérito policial foi instaurado no dia 19 de outubro e, em seguida, ele foi encaminhado ao Departamento de Inquéritos Policiais para ser investigado pelo Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania. A secretaria, no entanto, não informou quantas pessoas foram ouvidas ou como está o andamento do inquérito.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp, deputado Adriano Diogo, disse que pretende convocar os três funcionários (o diretor da unidade Wagner Pereira da Silva e os coordenadores Maurício Mesquita Hilário e José Juvêncio, que aparecem no vídeo agredindo os menores) para prestar depoimentos na Casa. Apesar de terem sido convidados a participar da audiência pública de hoje, nenhum compareceu.
Segundo a presidenta da Fundação Casa, o diretor da unidade está afastado de suas funções, trabalhando agora no setor administrativo até que sua responsabilidade no caso seja investigada. Os demais, segundo ela, apresentaram um atestado médico e psiquiátrico no dia seguinte da exibição da matéria no Fantástico e se encontram desaparecidos. Mais dois funcionários, que também aparecem nas imagens foram afastados e estão sendo processados.
O presidente da comissão disse que também pretende convidar o delegado do caso e os médicos que deram atestado médico aos dois funcionários. Os seis adolescentes, segundo a presidenta da Fundação, foram removidos para outras unidades.
Para o deputado estadual Adriano Diogo, o depoimento da presidenta da Fundação Casa foi “patético”. “Acho que é uma prática sistêmica [na Fundação Casa] e não um ato isolado. Isolado foi a filmagem. Isso é uma dinâmica de governo: ocorre nas delegacias, nos quartéis, nos batalhões da Polícia Militar. E a Fundação Casa é vista como um prolongamento natural dessas instituições. Não é vista como uma casa de recuperação de jovens, mas como uma unidade prisional como outra qualquer, só mudando a idade”, disse. Para ele, a Fundação Casa precisa ser “refundada”. “Não adianta mudar só o nome. Ela continua sendo a Febem [Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor]”.
A Fundação Casa foi criada em dezembro de 2006, com o objetivo de aplicar medidas socioeducativas às crianças e jovens infratores, que tem entre 12 e 21 anos. Até então, o que existia em São Paulo era a Febem. Hoje, a Fundação Casa tem cerca de 9,2 mil internos, espalhados por 148 unidades, onde trabalham 13.010 funcionários.
A maioria dos internos, disse Berenice, estão internados por tráfico de drogas (41%) e roubo (40%). “Os crimes hediondos, como homicídio doloso qualificado, estupro e latrocínio, não chegam a 3% da nossa população”, citou, acrescentando a informação de que o custo de cada um dos adolescentes é estimado em cerca de R$ 7,1 mil por mês.
Segundo Berenice, que assumiu a presidência da fundação pouco antes dela ter sido criada, nos mais de seis anos de funcionamento, o novo modelo apresentou uma série de avanços, dentre eles a queda expressiva nas taxas de reincidência e na ocorrência de rebeliões. Na época em que existia a Febem, 29% dos jovens em internação reincidiam. Hoje, a taxa está em torno de 13%. As rebeliões caíram de 80 ocorrências em 2003 para apenas uma, em 2009. Neste ano, foram oito.