Rio - Embora passem a maior parte do tempo em sala de aula, os médicos cubanos que participam do programa Mais Médicos, do governo federal, já começam a se ambientar em solo brasileiro. Quatro desses profissionais aceitaram passear por Brasília no último domingo, seu primeiro dia de folga desde a chegada ao País. Para eles, as reações ruins da chegada em algumas cidades brasileiras pareciam distantes. O clima entre eles era de alegria e descontração.
No alojamento do Mosteiro de São Bento, onde está hospedada Mercedes Blanco, 49 anos, uma das médicas que passou o domingo com a reportagem, a manhã estava agitada: muitas mulheres lavavam e passavam roupas, outras acessavam a internet para falar com as famílias, outras conversavam despreocupadas, trocavam impressões sobre as atividades até aqui.
Mercedes, Carlos Alberto Del Llano, 42 anos, Tomás Isaguirre, 50, e René Villavicencio Rodrigues, 47, estavam curiosos para conhecer a cidade, mas não imaginavam conseguir o feito. O programa não prevê passeios e eles ainda não receberam recursos financeiros da bolsa oferecida pelo governo. Os trâmites burocráticos para abertura de contas não está terminado.
Durante seis horas, eles visitaram a Catedral, a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes, a Torre de TV, o Parque da Cidade. Repetiam o tempo todo que acharam Brasília linda. Os quatro elegeram a Catedral como o monumento mais bonito da cidade. O Itamaraty apareceu em segundo na lista.
“O mais bonito da cidade é ela toda, como conjunto”, brincou. Ele, que irá morar em São Gabriel da Cachoeira (AM), era um dos que mais bombardeava a repórter de perguntas. Queria saber português. “Como vocês chamam isso (apontando para um degrau)?”, perguntava. “E isso (olhando para uma pamonha)?”, continuava.
As perguntas também demonstravam interesse pela história da cidade. Eles questionavam prédios, arquitetura, queriam enumerar os prédios construídos por Oscar Niemeyer – que também é famoso em Cuba, segundo eles – e entender por onde caminhavam. Tudo era registrado em muitas fotos e vídeos (com direito a explicação de cada cenário).
Impressões
A cada parada em uma barraca, eles contavam ser cubanos. Logo, alguém desconfiava que eles eram “os tais médicos”. Davam boas-vindas, agradeciam a presença deles no país. Nesses momentos, eles comentavam como foram bem recepcionados e como imaginavam que a vida seria daqui duas semanas, quando chegassem aos municípios onde vão atuar.
“Tivemos uma acolhida calorosa. O povo brasileiro é parecido com o cubano”, disse Mercedes. Eles sentem que, nos municípios, terão ainda mais apoio da população. “Acho que os que agrediram meus colegas cubanos têm medo do nosso trabalho, porque já soube que eles não tocam o paciente. Acho que estão com ciúmes de nós”, se diverte. "Quando formos embora vão ficar com saudades", brincou.
Carlos ressalta que as reações contrárias à presença deles não são inesperadas. Ele conta que, quando chegou à Venezuela, onde passou seis anos em missão, manifestantes jogaram pedras e urina nos médicos. “Quando fomos embora, eles nos abraçavam e agradeciam”, relembra. Ele também já deixou a família para atuar por três anos em Moçambique.
Experiências comuns
As conversas com os cubanos revelam que atuar em outros países faz parte de uma cultura. Desde jovens, são preparados para atuar onde as pessoas precisam deles. As “missões” como eles chamam essas incursões podem ser longas ou curtas, remuneradas ou não. O primeiro argumento apresentado por eles para a participação é sempre: solidariedade.
“Gosto muito da medicina, da minha profissão. Gosto de ajudar outras pessoas que necessitam da minha ajuda e aprender coisas novas. Esta é uma oportunidade”, afirma René, médico há 23 anos. Essa é a terceira vez que ele deixa a família para participar de uma missão. A primeira durou de 1997 até 2000, em Zâmbia, África. Depois, passou quatro anos na Venezuela.
Especialistas em medicina geral e integral, residência que dura três anos, René e Tomás trabalharam nos mesmos países. Tomás ficou mais tempo na Venezuela, oito anos. “Nossa motivação principal é a solidariedade. Não temos medo da situação da saúde brasileira”, diz. E, dizendo à repórter “escute”, completou: “Trabalhei na África. O Brasil é o paraíso”, sorriu.
Com 27 anos de experiência, Tomás tem mestrado em doenças infecciosas e especialização em câncer. Na cidade cubana em que vive, Artemisa, é responsável pelo atendimento de 1,5 mil pessoas. A língua portuguesa, que eles estudaram durante um mês antes de vir, também não os espanta. “Onde chegarmos, teremos de aprender dialetos. É sempre assim”, conta Carlos.
Futuro
Os animados médicos lembram o tempo todo que não vieram para ficar. Mercedes, que já morou em Honduras e em Moçambique, quer passar uma temporada na Venezuela. Essas missões, ela admite, são uma oportunidade de fazer uma poupança. Discretos quando o assunto é dinheiro, eles não comentam muito as diferenças salariais.
“Isso não é um problema para nós. Somos cubanos. Nosso salário cubano está sendo recebido pela nossa família. Não precisamos de muito aqui. Quando morei em Moçambique, um recém-formado ganhava US$ 5 mil e eu muito menos. Mas eu sou cubana, tenho tudo que preciso no meu país”, pondera.
Eles pretendem levar na bagagem presentes brasileiros aos filhos – alguns pediram camisas da seleção de futebol – mais de dinheiro e, principalmente, muitas histórias para contar.