São Paulo - Funcionários de uma funerária no interior de São Paulo colecionam histórias de fantasmas e acontecimentos estranhos. Para eles, porém, o convívio com as visitas inesperadas é apenas consequência do trabalho com a morte. Na véspera do Dia de Finados, que é celebrado neste sábado, o iG acompanhou a rotina dos profissionais da morte na Urbanizadora Municipal (Urbam) de São José dos Campos, responsável pelo serviço funerário da cidade.
Há duas décadas o tanatopraxista (técnico que prepara os cadáveres para os velórios) Edivaldo dos Santos, de 46 anos, assegura a conservação de corpos. Ganhou o apelido de Doutor Morte e teve de trilhar um longo caminho até se livrar dos pesadelos com cadáveres.
“Quando comecei, era coveiro e tinha acesso ao IML (Instituto Médico Legal). Parte do meu trabalho era recolher corpos após autópsias”. E foi nessa temporada, em 1999, que Santos viveu sua primeira “situação estranha”.
“Estava acompanhando um enterro quando fui abordado por um jovem de 15 anos. Ele me falou: ‘A placa do túmulo caiu. Ninguém vai colar?’. Não era meu trabalho, mas quis ajudar e busquei a cola. Quando voltei, ele não estava mais lá”. A surpresa veio quando Santos olhou a foto na lápide e reconheceu o adolescente. “Era ele. Mas também quero acreditar que era um irmão gêmeo”.
Para o motorista Vagner Mariano da Silva, de 41, os fenômenos assustam, mas acabam virando piada. Há dez anos na profissão e um dos responsáveis pelo transporte dos mortos, Silva conta que um episódio de 2008 lhe causou arrepios. Ele levava um corpo para um velório em Paraibuna (SP).
“A viúva quis acompanhar e toda hora ficava virando o pescoço para trás. Para mim, ela estava apenas olhando o caixão”, conta. Quarenta minutos depois e já no destino final, Silva retirou a urna do carro e despediu-se da mulher quando ouviu: “E o seu amigo? Ele não vai descer?”. “Lembro que ela até ficou brava comigo porque falei ninguém tinha vindo com a gente. Mas, segundo ela, um homem veio sentado ao lado do seu marido”.
Muitas vezes, as experiências vividas no ambiente funerário não podem ser compartilhadas com os familiares.
“As pessoas não acreditam ou não querem acreditar. Mas vemos tudo isso no trabalho e não estamos dormindo”, conta Silva. Ele lembra também a história de um amigo que teria presenciado a trepidação das portas das quatro salas de velórios. “Mas quando foram checar, estava tudo trancado. Ninguém sabe o que aconteceu”.
O coveiro Milton, que trabalha há seis anos na Urbam, se considera um novato nos assuntos da morte, mas já foi surpreendido em duas ocasiões. Durante um procedimento de exumação de restos mortais enterrados havia 10 anos, Milton esperava encontrar uma ossada, mas encontrou um corpo intacto.
“Levei um susto. Parecia que o cara tinha sido enterrado no dia anterior, foi uma loucura aquilo para mim”. Não foi o único susto: durante um velório, um corpo se mexeu dentro do caixão. “A filha foi tocar o corpo e ainda estava quente. Ela começou a gritar dizendo que o pai estava vivo. Mas a polícia chegou e viu que não tinha pulso. Foi bem estranho”.
“As pessoas têm medo de mim”
Além dos pequenos sustos, os profissionais enfrentam olhares desconfiados e o receio dos mais próximos. Ao caminhar com a reportagem nas ruas do bairro Vila Industrial, o Doutor Morte é reconhecido. Apaixonado pela profissão, ele até ironiza o medo que percebe nos outros.
“Cara, acho que você perdeu o brilho dos olhos. Dá uma passada lá (na funerária])”, disse rindo ao cobrador de um ônibus que o cumprimentou. “Deus me livre, doutor. Nem brinca com essas coisas”, rebateu o homem do coletivo.
“As pessoas têm medo de mim. Quando entro no ônibus, não tem como não encontrar um assento livre. Para eles eu represento a morte”, disse Benedito dos Santos. O motorista Vagner conta também que uma ex-cunhada evita até tocá-lo pela sua convivência com os mortos. Os apertos de mãos também são evitados, conta o coveiro Milton.
“Outro dia mesmo encontrei um amigo de longa data e perguntei: ‘Tudo bom, meu querido?’. Logo dei a mão e ele me deixou ali. Fiquei até vermelho. Eles pensam que tocamos os mortos do mesmo jeito que os vivos. É diferente”.