Rio - O senador licenciado e ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella (PRB), admite hoje já ter perdido eleições porque, acredita, os eleitores achavam que ele misturava religião e política. Mas agora o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus está convencido de que conseguiu provar, depois de mais de dez anos na política, que, para ele, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: “É preciso separar política de religião, Estado de Igreja.” Quanto ao estilo Crivella de fazer política, ele se apresenta como pré-candidato ao governo do Rio e já aparece em primeiro lugar em várias pesquisas, mas se recusa a atacar os adversários, incluindo o governador Sérgio Cabral. “Eu não ataco ninguém, eu sou atacado...”, sempre diz, surpreendentemente gaiato, quando os entrevistadores tentam alguma arapuca para fazê-lo criticar alguém. Mas é cheio de entrelinhas e distribui recados a esmo quando diz que o estado precisa de políticos que não gostem da “ribalta”, nem de “fanfarronice”. Quanto ao seu ‘vice dos sonhos’, tenta fazer mistério — ainda está conversando com possíveis aliados —, mas surpreende de novo e diz que gostaria que fosse uma mulher. Que “representasse não só todas as ternuras da bondade da beleza da alma feminina, mas também as resistências morais e de caráter da mulher fluminense, com uma visão social.”
ODIA: A bancada evangélica costuma ser classificada como preconceituosa. Mas parece haver preconceito contra a própria bancada. O sr. concorda?
MARCELO CRIVELLA: Acho que é uma coisa de causa e efeito, e é natural que isso ocorra. Agora, é uma contingência do aperfeiçoamento da civilização brasileira. É no debate, democraticamente, que a gente vê quais são os melhores caminhos. Cada um tem sua posição, ganha a maioria. Cabe à minoria respeitar. Agora, é preciso separar política de religião. É preciso separar Estado de Igreja. Com respeito a todos e sendo respeitado por todos.
O sr. considera que o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) erra quando radicaliza?
Olha, eu estou na política há 10 anos. Já fui muito criticado. Procuro me aperfeiçoar nas críticas. Mas uma coisa que eu não faço é comentar sobre decisões de outros. No debate das ideias, eu acho que o Congresso Nacional é o fórum certo para se debater todos esses assuntos. E é ali que, sem paixões e ódios, nós temos que construir o nosso aperfeiçoamento. É o que eu falei antes: tem que ter respeito. Todos no Congresso precisam ser respeitados, todos representam uma parcela da população. Agora, nós temos que ouvir a maioria. A decisão é no voto.
Por que o sr. quer ser candidato ao governo do Rio?
Porque eu acho que o Rio de Janeiro tem um espaço importante para a gente construir uma coisa que eu diria que é um espírito de governo. Acho que a civilização fluminense não tem sido bem representada nos seus ideais, nas suas tradições, na sua idiossincrasia, mesmo, na sua maneira de fazer política. A política do Rio de Janeiro já foi muito mais idealista. Os políticos tinham mais renúncia, tinham mais espírito público. Acho que, neste momento, o Rio de Janeiro vive esse melancólico crepúsculo da vida pública porque os escândalos acabam se sucedendo na imprensa, e isso traz muito desalento e muita tristeza, sobretudo para os mais jovens.
A que escândalo o sr. está se referindo?
Eu prefiro não citar, mas eu expresso o que está nas manifestações. De um modo geral a política generalizadamente hoje não inspira respeito, idealismo e renúncia. Acho que é hora de a política tirar o marketing e colocar a gestão. Acho que cabe à minha geração de políticos voltar às coisas simples, à vida modesta e à devoção a saber o que nós precisamos fazer neste momento para conter os graves problemas. Hoje o Rio são 16 milhões de fluminenses bradando por Saúde, Segurança e Educação.
Há quem diga que o sr. só está sendo candidato ao governo do Rio a pedido da presidenta Dilma Rousseff. É verdade?
Estou sendo candidato a pedido do povo que me colocou nas pesquisas em primeiro lugar, com 23% de intenção de voto. É um chamamento. Nenhum homem público com qualquer grau de responsabilidade neste momento de convulsão da vida social da minha cidade, do meu estado, pode se negar, sob pena de ser considerado omisso.
O sr. acha que o eleitor entende que alguns partidos são aliados ‘a nível nacional’, mas adversários ‘a nível estadual’?
Ah, entende. O eleitor sabe que a conjuntura política exige disputa, debate, e ele quer isso. Agora, o eleitor do Rio de Janeiro que acompanha a vida política mais de perto deve se lembrar que essa construção da aliança passou pelo Crivella. É bom lembrar o seguinte: o governador Sérgio Cabral, quando senador — e nós nos elegemos juntos — foi um senador de oposição. Ele votava radicalmente contra o (ex-presidente) Lula. Não era esporadicamente. Ele votava radicalmente contra o Lula. Votava tudo contra o Lula. O partido não era contra o Lula, mas ele era. Pessoalmente. Junto com o Mão Santa. Eram dois senadores do PMDB que votaram tudo contra o Lula, quatro anos de votação contra o Lula. E veio disputar eleição aqui no Rio de Janeiro apoiado pelo (ex) governador Anthony Garotinho (PR), cuja esposa era governadora. O governador Cabral, se foi eleito governador do Rio de Janeiro, deve muito ao apoio na época do Garotinho. O Garotinho, vamos dizer assim, foi o maior eleitor do Cabral, junto com sua esposa, Rosinha. Agora, não foi uma vitória de primeiro turno. Foi uma vitória de segundo turno. A eleição no primeiro turno acabou com ele em primeiro; a Denise Frossard em segundo; e eu em terceiro. E quando ele buscou meu apoio eu condicionei a uma aliança com o Lula porque ele queria apoiar o (Geraldo) Alckmin (PSDB), que tinha subido muito nas pesquisas e chegou ao segundo turno crescendo enquanto o Lula caía. Havia muitas pessoas que achavam que o presidente não ia se reeleger. Então, a primeira vez que o governador Cabral foi à casa do Lula, ao Palácio, quem levou fui eu, e foi exatamente por meu apoio que essa aliança se deu. Isso foi bom para o Rio, e eu sabia disso. E eu era candidato para que se fizessem essas alianças.
Se o sr. for eleito , qual será a sua prioridade?
O Rio precisa fazer um choque de serviços públicos. Precisamos fazer com que o Estado ofereça a seus cidadãos uma qualidade de serviços públicos à altura do nosso desenvolvimento econômico e social. Não podemos ter uma Segurança e uma Educação aquém dos investimentos na indústria de transformação, de petróleo e gás; nos grandes empreendimentos que estamos fazendo para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. As pessoas querem hospitais, escolas e Segurança ‘padrão Fifa’. Essa é minha prioridade: fazer um choque de serviços públicos. O que dá sentido a um povo é o espírito de governo, de servir, de estar preocupado com as pessoas, mais do que com as obras. Priorizar as pessoas é fundamental para que a política tenha respeitabilidade.
E com relação à gestão?
O Rio precisa profissionalizar sua gestão e melhorar o ambiente de negócios, que significa tirar a influência política de quaisquer tipos de contratação. Política é política, negócio é negócio.
Com que partido tem conversa para alianças?
Com todos. Tenho procurado todos, inclusive o pessoal do DEM, do PSDB... Eu sou um candidato e preciso de apoio. Imagina!
O sr. já está pedindo apoio? O DEM e o PSDB, por exemplo, vão lançar candidatos ao governo...
Mas apoio não precisa ser no primeiro turno, pode ser no segundo. Quem sabe eu chego no segundo turno? Essas coisas precisam ser conversadas com antecedência. Na política, não se pode deixar para a última hora.
Como o sr. avalia os protestos que os black blocs fizeram no Rio?
Eu sou um pacifista por natureza. O melhor caminho é o da paz. Sou contra a violência radicalmente. Acho que com violência a gente não constrói. As manifestações são legítimas. Imagina um pai que fica com um filho doente no colo numa fila de hospital e não consegue ser atendido no momento em que precisa, a criança chorando com dor... Cria uma revolta, uma indignação, é natural que isso ocorra. Aí, ele vê obras imensas, enormes em áreas ricas do Rio para as quais seu imposto contribuiu. Essa revolta do homem comum, da dona de casa, precisa ser ouvida e de maneira sagrada, respeitada e priorizada num governo. Não é com violência que a gente faz isso. A causa do povo não exige nem violência, nem fanfarronice. Mas exige isso que eu prego: você trabalhar com idealismo e renúncia e esquecer de si mesmo.
Como a PM do sr. reagiria aos black blocs?
Agiria rigorosamente dentro da lei. Sem a lei não há salvação. A lei coíbe a violência, mas sem o uso da violência. As pessoas que quebram patrimônio devem responder por isso civil e criminalmente.
Há o temor por parte de quem segue religiões de matriz afro-brasileira que possa haver algum tipo de perseguição se o sr. for eleito. Que garantias os sr. dá a esses grupos?
Acho que nos 10 anos como senador e no ano e meio como ministro eu mostrei que trabalhei pelo povo. Se você olhar todas as leis que eu aprovei e a minha atuação no Ministério da Pesca, você vai ver que eu sou um político devotado ao sagrado interesse público. Quando eu comecei, havia muita dúvida, e eu perdi eleições por isso. Mas são coisas que eu sabia que só o tempo iria provar. Então, já se passaram esses anos todos, e as pessoas podem ter certeza de que eu sei separar política de religião.
Então, não haverá nenhum tipo de...
Não haverá. Nós vamos governar para todos. Vamos tratar do serviço público prioritariamente com Saúde, Segurança e Educação. Acho que o Rio hoje são 16 milhões de fluminenses clamando por serviços de Saúde, Segurança e Educação à altura do nosso desenvolvimento. Nós temos investimentos de US$ 200 bilhões. Nós temos feito investimentos vultosos. Agora, precisamos prestar serviço público, isso é prioridade do estado. Isso é um compromisso nosso com os cidadãos.
Eu sei que atacar o governador...
Eu não ataco ninguém, eu sou atacado...
... não é de sua natureza, mas há um evidente desgaste da imagem de Sérgio Cabral...
Da política em geral...
Sim, mas com relação ao desgaste do Cabral, o sr. acha que isso vai ajudar os adversários e prejudicar o candidato do governo, Luiz Fernando Pezão?
Acho que o PMDB cumpriu um ciclo. O desgaste, seja de A ou de B, é por conta da longevidade no poder. O político precisa saber a hora em que novas lideranças ocupam. Sobretudo os políticos da ribalta. Esses que vivem mais no foco acabam se desgastando mais. Tenho a impressão de que esse ciclo vai ser substituído.
Se for eleito, o sr. manterá o Programa Estadual Rio Sem Homofobia, do governo do estado?
Nenhum cristão pode desrespeitar seu semelhante por qualquer decisão que ele tomar. Pode discordar, mas ele respeita. Isso, para mim, é sagrado. Precisamos, no Rio, respeitar a dignidade humana. Manterei esse e todos os que preservarem os valores sagrados do respeito à dignidade humana.
Qual seria o vice dos seus sonhos?
Uma mulher que representasse não só todas as ternuras da bondade da beleza da alma feminina, mas também as resistências morais e de caráter da mulher fluminense, com uma visão social.