Por nara.boechat

Rio - Bangladesh, Senegal, Bolívia, Haiti. Nações com distintas culturas e línguas, mas com um ponto em comum: o Brasil. Na última década, o país virou rota de migração desses povos. Por isso, o Ministério da Justiça vai enviar ao Congresso projeto de lei que dá novo tratamento aos imigrantes.

Líder no ranking das populações que chegam como refugiados, o Haiti é responsável por fluxo diário de 40 pessoas — podendo chegar a 80, como no início do ano — e de sete mil em três anos, segundo o Conselho Nacional de Imigração (CNIg).

Um estudo encomendado pelo Ministério do Trabalho e a Organização Internacional para Migração (OIM) vai revelar, em fevereiro, rotas e razões pelas quais os haitianos escolhem o Brasil. O Acre e o Amazonas são as principais entradas deles, em sua maioria de 24 a 40 anos e nível fundamental e médio incompletos.

Haitianos de 24 a 40 anos lideram as estatísticas dos que entram ilegalmente no BrasilMarcello Casal Jr. / Agência Brasil

As razões para a escolha do Brasil são trabalho e estudo, revela o professor Duval Fernandes, da PUC de Minas Gerais, coordenador do grupo de trabalho que realiza desde maio de 2013 estudo sobre os haitianos. A pesquisa é uma parceria com os governos do Haiti, da Bolívia,do Equador e do Peru.

Para a pesquisa, 40 entrevistas foram feitas com haitianos no seu país, no Brasil, ou a caminho daqui, via Bolívia, Equador e Peru. “É um estudo conjunto, que visa dar um panorama da origem, trajeto e destino dos haitianos”, diz Fernandes.

Ele revela que a pesquisa, batizada de ‘Migração Haitiana Brasil: Um Diálogo Bilateral’, vai servir de suporte para entender a imigração.

O sonho de ter escolas para seus filhos — o ensino no Haiti é pago —, e salários de até R$ 2 mil, mito vendido por coiotes (traficantes de migrantes) motivam os haitianos. Do Acre, vão para São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Cuiabá, Manaus e Porto Velho. Os setores que mais os contratam são a construção civil, os frigoríficos e as linhas de montagem.

Duval Fernandes explica que a língua é um obstáculo para se fixarem no Brasil, já que no Haiti se fala o francês e o creole. “O trabalho é garantido, mas sem esses salários irreais que alimentam sonhos e a indústria dos coiotes”, diz o professor.

Presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), vinculado ao Ministério do Trabalho, Paulo Sérgio de Almeida explica que o Estatuto do Imigrante, de 1980, que define direitos e deveres dos estrangeiros, dificulta a permanência aqui. Mas, segundo ele, os haitianos ilegais recebem tratamento diferente. “Devido ao histórico de ajuda humanitária aos haitianos, o Brasil tem uma política específica para eles”, diz Almeida explica que os haitianos são orientados, inclusive pelos coiotes, a procurar a Polícia Federal logo que atravessam a fronteira. No Acre, uma força-tarefa de atendimento, com policiais federais e funcionários do Ministério do Trabalho, emitem carteira de trabalho, CPF e protocolo de refúgio aos imigrantes, com pedido de visto de trabalho de dois anos e permanência em caráter humanitário, que garante a estada legal, por cinco anos, que pode ser renovada por mais cinco.

Burocracia dificulta regularização

O estrangeiro que entra no Brasil com visto de turista só consegue a permissão de trabalho se sair dos país e pagar as multas. A legislação brasileira não abre brecha para regularização migratória de quem está em situação ilegal quando pede a mudança estando aqui.

A saída para muitos imigrantes é pedir refúgio à Polícia Federal logo que atravessam a fronteira — uma condição amparada pela Lei 9.474, de 1997 —. “É assim que conseguem documentos temporários (CPF e carteira de trabalho) para ficar no Brasil por alguns meses ou um ano, até que sejam chamados para entrevistas que vão definir sobre o pedido de refúgio. Mas o processo demora e não traz segurança ao imigrante, que, muitas vezes, quando está inserido culturalmente, se vê com risco de deixar o país”, diz Paulo Sérgio de Almeida.

Para reverter essa realidade, o Ministério da Justiça vai enviar ao Congresso Nacional projeto que atualiza o Estatuto do Imigrante. Segundo o diretor do Departamento de Estrangeiros do Ministério, João Guilherme Granja, uma comissão de técnicos discute como tornar o acesso à documentação de permanência no país mais acessível, transparente, previsível, rápido e menos custoso ao imigrante.

Ele conta que em 2009 um projeto de lei já previa atualizar o Estatuto. “Mas, de lá para cá, o Brasil e o mundo sofreram muitas mudanças. O que se debate hoje é uma proposta que considere a integração completa do imigrante”, explica Granja.

Entrada por Acre e Bolívia

Os imigrantes que entram ilegalmente no Brasil costumam se aproveitar de países que não exigem visto de pessoas em trânsito, como o próprio Brasil. Orientados por coiotes vão de avião ao Peru ou à a Bolívia e continuam o caminho por terra. Já no Brasil, apresentam o pedido de refúgio à Polícia Federal.

Segundo o Conare, de 2012 a 2013, os pedidos subiram de 2.114 para 4.808. De naturais de Bangladesh, que em 2012 eram 280, passaram a 1.814 — crescimento de 548%. Do Senegal, foram 272 em 2012 e 868 em 2013, alta de 219%. Do Líbano, de 22, para 291.

São Paulo é a cidade mais procurada. No Centro de Acolhida para Refugiados, da Arquidiocese, passaram 5.135 estrangeiros. A instituição é uma espécie de entreposto oficial no estado dos imigrantes que pedem refúgio.

Coordenadora do centro de acolhida, Maria Cristina Morelli, destaca que apenas 60% dos estrangeiros que chegam ao Brasil com pedido de refúgio sofrrem perseguição política, religiosa ou étnica.

Ela conta que o imigrante recebe documentação, moradia, integração ao estudo e trabalho e saúde mental. “O Brasil tenta, mas não há políticas públicas para o refúgio ou para o acolhimento de estrangeiros. A maior dificuldade é achar albergues para essas pessoas, já que não há vagas nos públicos e nem preparo para recebê-los”.

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