Rio - O policial aposentado Manoel Aurélio Lopes, de 77 anos, que trabalhou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e no Departamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) admitiu ontem, em depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo, que a tortura de presos políticos era feita de forma rotineira nos dois órgãos. Lopes, que serviu no Dops de 1969 a 1972 e no Doi-Codi de 1972 a 1978, negou ter participado de torturas, mas confessou ter assistido a várias sessões de maus-tratos.
O ex-agente, que usava o codinome de Escrivão Pinheiro, afirmou que assistiu à tortura de presos “por curiosidade”. “Mas fiquei decepcionado por ver o que faziam com um ser humano. Saí pensando que, se precisasse fazer aquilo, ia tentar tirar o serviço de outro jeito”, alegou o policial.
Apesar de afirmar que não participou diretamente das sessões de tortura, ele, que se referiu aos torturados como “subversivos”, não condenou a prática e a justificou dizendo que foi “uma fase” que o Brasil viveu. “Cada um fazia o seu trabalho”, afirmou Lopes ao depor.
Ele relatou que os presos políticos eram colocados nus em cima de latas de leite e, quando não aguentavam mais ficar em pé e caiam, começavam as sessões de tortura. Ele contou que os maus-tratos eram tão violentos que dava para ouvir os gritos das vítimas de longe.
Ele confirmou que sabia que os presos eram submetidos a vários instrumentos de torturas. E citou a cadeira do dragão que, segundo o policial, “tinha um alto-falante tão alto que até os agentes ficavam tontos”.
Lopes foi convocado a depor na Comissão por causa da morte de oito militantes da Aliança Nacional (ALN) nas dependências do Dops paulista, mas alegou que não se lembrava das circunstâncias. Admitiu, no entanto, que muitas vezes ouviu tiros no Departamento.
O ex-agente alegou que os policiais treinavam tiro no porão. “O barulho era danado. Minha deficiência auditiva deve ser por causa disso. Depois, uma multinacional cedeu tampões”, contou.
Em seu depoimento, Manoel Aurélio Lopes em nenhum momentos mostrou arrependimento por ter estado numa organização onde a tortura era prática sistemática. E disse que teve “uma vida contente até aqui”.
Elogios ao delegado acusado de comandar martírio de militantes
No depoimento à Comissão da Verdade, Manoel Aurélio Lopes elogiou o ex-delegado Sérgio Fleury, apontado por militantes de organizações de esquerda como comandante das sessões de tortura no Dops. “Era uma pessoa antenada, enérgica, que resolvia as coisas rapidamente”.
O ex-policial se recusou a dar nomes de agentes que torturaram presos enquanto esteve na polícia. Alegou que não poderia prejudicar pessoas que trabalharam com ele.
O mesmo argumento foi usado para explicar porque nunca denunciou a tortura de presos políticos. Mas, mesmo dizendo que não torturou, ele deu a entender que não condenava a prática. “Era uma fase que o Brasil viveu. Cada um fazia o que tinha que fazer. Não via de outra forma”.
Ele confessou ainda que recebeu gratificações por serviços. O pagamento, afirmou, era feito em dinheiro, por um funcionário da Secretaria de Segurança Pública do estado.