Rio - Charlotte Cohen sempre soube que era filha adotiva dos pais franceses, mas a brasileira era apenas uma menina quando descobriu ter sido vítima do tráfico de crianças na década de 1980. Hoje, a cineasta de 26 anos espera desvendar mais um mistério na sua já extensa biografia. Supostos envolvidos no esquema da sua adoção ilegal serão ouvidos na Polícia Federal e podem revelar a chave dessa trama policial.
Levada ainda recém-nascida para a França, Charlotte foi criada por um casal em um bairro nobre da cápital francesa, Paris, e cresceu em uma relação complicada com os pais adotivos. “Meu pai era alcoólatra e usava drogas. Eu estava ali para compensar a tristeza e os problemas da minha mãe.”
Aos 14 anos, ela descobriu documentos sobre a sua adoção, incluindo uma certidão de nascimento com o nome de Charlotte Pinto da Mota e um exame feito 15 dias antes da data do seu nascimento. Cansada dos insultos sempre eram feitos pela mãe, a brasileira resolveu enfrentá-la. “Antes, ela desconversava, falava que haviam me encontrado no lixo, mas ficava muito estressada quando tocava neste assunto.”
Charlotte Cohen viveu com os pais adotivos dos dois meses e meio de vida até os 16 anos, quando conseguiu ir para um abrigo do governo. “A minha prioridade era sair daquela casa.”
EM BUSCA DA VERDADE
Após completar o colégio e cursar Letras e Cinema em uma das universidades mais conceituadas do mundo, a Sorbonne, a jovem partiu para o Brasil munida dos documentos e com o propósito de encontrar a família.
Em São Paulo, Charlotte procurou Maria das Dores, que aparece como sua mãe na certidão. Ela disse ter sido obrigada pelos patrões, Guiomar e Franco Morselli, responsáveis pelo orfanato na época, a registrar e levar a menina e um suposto irmão gêmeo para França.
Marisa Bueno Cabral, testemunha no documento, afirmou que Charlotte teria nascido da relação de uma empregada com um homem da família da Guiomar e que esta “teria feito de tudo para se desfazer da criança”. Marisa teria dito também que a mãe da jovem seria trabalhadora, bonita e teria 19 anos quando Charlotte nasceu.
Já o casal Franco e Guiomar disse que só falaria na frente do juiz. “Eles roubaram a minha infância e hoje continuam me roubando o direito de saber quem são meus pais.”
Meta é contar a história em livro e filme
Após colocar um ponto final no mistério de sua ida para França, Charlotte Cohen pretende escrever um livro e fazer um filme sobre sua história, para que casos iguais não se repitam. “As pessoas precisam ver quais são as consequências na vida de quem passa por isso”, diz a cineasta.
Ela afirma que acredita que haverá uma mudança no tratamento que é dado ao tema no país pelos brasileiros. A transformação já pode ser vista nos dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Em 2013, houve 186 denúncias de tráfico de crianças e adolescentes, com aumento de mais de 80% em comparação com 2013. “Durante anos, o Brasil não queria assumir o problema. Mesmo que seja uma criança pobre, ela tem o direito de ser tratada como uma pessoa. Nada justifica o tráfico”, diz ela.