Por tamara.coimbra

Roraima - Com baixíssima representação no Congresso, as minorias estão se rebelando. O grito mais rotundo está partindo dos índios, minoria das minorias, segmento sem nenhum representante eleito e que, ainda assim, numa curiosa contradição, inspirou a criação da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, bombardeada por todos os lados pela bancada ruralista, arquiinimiga da causa.

Órfãos dos governos, mas assessorados por parlamentares de várias regiões do país, pela Igreja Católica e por ONGs, os índios querem agora colocar um representante no Congresso nas eleições deste ano. Para isso, organizaram uma estratégia aparentemente infalível: concentraram os esforços em Roraima - onde a presença indígena na sociedade, representando 11% dos 490 mil habitantes, é a mais ampla do País - para eleger um deputado federal e outro estadual.

Pela primeira vez na história das eleições no Estado, caciques (lá chamados tuxauas) decidiram, em inédita assembleia realizada há poucos dias, unificar as nove etnias - macuxi, wapixana, taurepang, ingarikó, wai-wai, yanomami, patamona, saparé e ye´kunan - para conquistar uma cadeira na Câmara.

A vaga está aberta desde a eleição do único índio que até hoje ocupou um assento no Parlamento, o ex-cacique xavante Mário Juruna que, embora tenha sua história no Mato Grosso, foi eleito pela população branca do Rio de Janeiro e teve passagem meteórica e polêmica pela Casa entre 1982 e 1986.

Pela decisão do conselho dos tuxauas de Roraima, que jamais é contestada, índio agora votará em índio. Os “caciques” tradicionais da política regional, como o senador Romero Jucá (PMDB), terão de buscar votos entre os brancos.

Os nomes escolhidos foram dois dirigentes do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), Mário Nicácio Wapixana, do PC do B, coordenador do órgão, e Aldenir Cadete de Lima, o Aldenir Wapixana, do PT, que sairão em dobradinha, respectivamente, para Assembleia e Câmara.

Força

O próximo passo é buscar uma coligação para alcançar com segurança o quociente eleitoral, embora matematicamente possam ser eleitos mesmo saindo apenas pelos partidos aos quais estão filiados.

Com população de 55 mil pessoas e cerca de 30 mil votos, os índios representam cerca de 12% do eleitorado de Roraima e, desde que esse universo não seja dividido com candidatos brancos - como ocorreu historicamente -, conquistariam com folga uma cadeira na Câmara e, no mínimo, duas no Estado. Numa coligação, seis mil votos elegeriam um federal.

Uma espécie de “República” indígena, Roraima é o Estado do Brasil com a mais forte presença do índio na fisionomia social. Suas 32 reservas (ou Terras Indígenas) representam mais de 46% da superfície territorial, ou algo em torno de 10 milhões de hectares, onde vivem 413 comunidades. Os índios estão presentes em todos os setores da vida roraimense, mas o destaque é na economia: donos de 600 mil cabeças de bovinos - criados na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma área contínua de 1, 7 milhão de hectares homologada em 2008 - são responsáveis pelo fornecimento de 60% da carne consumida em Roraima.

Mais de 600 índios são formados pela Universidade Federal de Roraima em áreas como administração, agronomia, medicina, direito, sociologia e, entre outras, filosofia. O candidato a deputado estadual, Mário Nicácio, por exemplo, é forma em administração de empresas (o foco é a área indígena) e habilitação em sistemas de informação.

Aldenir tem o ensino médio, mas se especializou em comunicação e, nas questões indígenas, atua como fotógrafo, alimentando redes sociais e sites voltados à causa indígena. Alimenta o site do CIR, tem página no Facebook e transita com desenvoltura pelas “infovias” da internet.

Os índios de Roraima estão entre os mais aculturados do mundo, são politizados (as aldeias terão urnas biométricas este ano) e convivem com a população branca sem abrir mão dos costumes e tradições. Os dois candidatos representam a nova geração surgida depois de uma luta de 34 anos retomada das terras da Raposa Serra do Sol, que estava nas mãos dos arrozeiros.

A eleição de um representante no Congresso tem dois objetivos: reforçar as conquistas em Roraima, resistindo às sucessivas tentativas de exploração às enormes riquezas minerais que repousam no subsolo das áreas indígenas do estado (a maior e mais valiosa província mineral do planeta) e articular um arco de alianças para se contrapor nacionalmente à força de ruralistas, que vem pressionando para tentar restringir os direitos indígenas já consolidados.

Tensão

“Vamos lutar por um estatuto, pela demarcação de terras de nossos parentes, o fim da mineração em território indígena, políticas públicas e a rejeição da PEC 215”, diz Aldenir Wapixana. Este último item se refere à proposta de emenda que daria também ao Congresso - e não só ao executivo - poder para decidir sobre demarcações.

A aprovação da PEC 215 seria, segundo Aldenir, um retrocesso para a minoria das minorias, já que ruralistas e evangélicos, frente que também confronta o interesse indigenista, têm juntas mais de 200 parlamentares.

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cléber César Buzatto, diz que a eleição de apenas um deputado não muda a correlação de forças, mas daria uma voz autêntica e representativa a uma minoria, num parlamento francamente conservador e radicalmente contra os interesses indígenas.

Ele cita os casos de Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul, onde os ruralistas, liderados pelo presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), sem voz autêntica que os conteste no Congresso, estão formando milícias armadas para impedir as demarcações. Buzatto diz que em função da apologia ao conflito, pregada abertamente por Heinz, inclusive num vídeo que circulou na internet, índios kaingang e fazendeiros estão à beira de um conflito sangrento no Sul do país.

“A eleição de um índio ajudaria a reduzir o desequilíbrio no Congresso, colocando um contraponto aos ruralistas que querem inviabilizar as demarcações”, diz o secretário geral do CIMI.

Negros e mulheres

Entre as minorias, a mulher é a que tem mais espaço no Congresso, embora o índice seja reduzidíssimo quando comparado com a densidade dos gêneros entre a população. Elas representam mais de 51% dos brasileiros, mas são só 10% no Senado (81 senadores) e 8% na Câmara, onde ocupam 46 das 513 cadeiras. O contraditório é que a lei eleitoral obriga os partidos a destinar pelo menos 30% das vagas a candidatas mulher, o que acaba se revelando uma medida apenas formal.

Ainda assim, outras minorias, como negros, querem o mesmo tipo de proteção para melhorar a representação no Parlamento. “O Brasil faz a separação de raças na composição do Parlamento”, diz Alexandre Braga, responsável pelo setor de comunicação da União dos Negros do Brasil (Unegro), entidade que luta pela cota de 30% de vagas nos partidos como forma de melhorar a representação.

No Congresso, os parlamentares negros ou pardos também são poucos: dois no Senado e 43 na Câmara, um deles, Domingos Dutra (SD-MA), quilombola. Braga acha que as políticas públicas de valorização colocaram os negros atualmente em raro momento de afirmação.

Ele prevê que este ano haverá um pequeno aumento na bancada, mas acredita que o cenário estará bem melhor na próxima eleição, que deverá ser realizada depois de uma reforma política que garantirá disputa em melhores condições de igualdade às minorias.

Entre as demais minorias, os sem-terra têm três congressistas, os deficientes 15 (um deles no Senado) e os homossexuais apenas um assumidamente, no caso, o deputado Jean Wyllys.

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