Rio - O deputado federal cassado Rubens Paiva e o dirigente do MR-8 Stuart Angel não se conheciam, mas tiveram seus destinos marcados pelo mesmo torturador: o sargento da Aeronáutica Abílio Correa de Souza. É o que revelou, à Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio), o capitão Lucio Barroso, ex- integrante do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). Abílio já morreu. Ele contou ainda que os militantes eram levados para prisões na 3ª Zona Aérea no Aeroporto Santos Dumont — e não para a Base Aérea do Galeão, como sempre se cogitou.
“O comando não se metia nestas coisas. Isto se dava entre os que trabalhavam ali, na informação. Quem buscou ele foi o Abílio”, afirmou Barroso, sobre a prisão do deputado. Ao falar do sequesto de Stuart, ele disse crer que “pode ter sido uma operação conjunta de várias forças”.
Investigando o caso há um ano, a jornalista e assessora da CEV-Rio Denise Assis ainda encontrou, no arquivo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, um envelope com fotos de uma ossada descoberta na cabeceira do Aeroporto Santos Dumont em 18 de outubro de 1971. A prisão de Stuart ocorreu em 14 de maio do mesmo ano. A CEV-Rio acredita que as imagens possam ser dos restos mortais do líder do MR-8, mas aguarda o ICCE localizar o laudo feito após a retirada da ossada do aeroporto.
Além das fotos, o envelope continha um telex assinado pelo perito de local da Polícia Civil Jacques Wygoda. Segundo a coordenadora da pesquisa do caso e membro da CEV-Rio, Nadine Borges, Wygoda participou de outras perícias de local relativas a supostos suícidios ocorridos no DOI-Codi.
Até o momento, as informações existentes sobre o paradeiro de Stuart Angel baseavam-se na carta de denúncia feita pelo preso político Alex Polari de Alverga para a estilista Zuzu Angel, mãe do estudante. Ele contou ter presenciado a prisão e a tortura de Stuart no Grajaú, mas localizava a prisão de ambos na Base do Galeão.
Conforme Alex, Stuart foi torturado por cerca de dois dias. Os militares teriam amarrado sua cabeça a um cano de descarga de um jipe e depois ele teria sido arrastado no pátio da base. Mais tarde, Alex e Maria Cristina Ferreira, também presa política, dizem ter ouvido gemidos de Stuart ainda com vida na madrugada. De manhã, o corpo inerte foi retirado da cela.
Ele e Manoel Ferreira, outro preso político, apontam como torturadores do local, além do sargento Abílio, o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, comandante da 3ª Zona Aérea , o brigadeiro Carlos Affonso Dellamora, chefe do Cisa, o coronel Ferdinando Muniz de Farias e o capitão Lucio Barroso. De todos, apenas o último não morreu. Sobre Abílio, Alex dizia que seu codinome era Pascoal. No ano passado, o jornal ‘O Globo’ revelou que se tratava, na verdade, do sargento Abílio Correa de Souza.
Para o presidente da CEV-Rio, Wadih Damous, as investigações trouxeram avanços importantes. “O depoimento do agente Lucio Barroso joga novas luzes no caso do desaparecimento de Stuart, já que apresenta a hipótese plausível de ele ter sido torturado e morto nas dependências da antiga 3ª Zona Aérea no Santos Dumont. Para lá também foi levado o deputado Rubens Paiva, analisou Damous.
‘BANHO DE MAR NA CABECEIRA DA PISTA’
Militar assinou laudos e recibos sobre fuscas de presos políticos do MR-8
Tanto a descoberta das fotos da ossada quanto o depoimento do capitão Lucio Barroso fizeram a Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) voltar suas investigações para o Aeroporto Santos Dumont. No arquivo do Dops do Rio, foi localizado ainda um memorando do Cisa encaminhado pelo brigadeiro João Paulo Moreira Burnier e pelo tenente-coronel Ramiro de Oliveira Gama, chefe da Divisão de Informações de Segurança, à Secretaria de Segurança Pública da Guanabara.
No documento, o capitão Lucio Barroso assina uma sindicância sobre a situação de quatro fuscas de presos políticos da organização MR-8, capturados em 7 de maio de 1971 — sete dias antes do sequestro de Stuart Angel, dirigente da organização. Os carros foram vistoriados no pátio do 3º QG, que fica na área militar do Santos Dumont. Além disso, Lucio Barroso assina o recibo de reboque dos carros junto à empresa Rio Reboques Ltda, em 2 de junho.
Os carros eram usados por Zaqueu José Bento, Manoel Ferreira, José Roberto Gonçalves de Rezende e Amaro de Souza Braga. Todos do MR8, com exceção de Rezende, que era da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
No depoimento à CEV-Rio, Barroso negou a existência de tortura e disse que levava os presos para tomar banho de mar junto às pedras na cabeceira da pista. Mesmo local onde a ossada foi encontrada meses depois.
Barroso nega envolvimento na morte de Stuart
Embora tenha confessado saber sobre o funcionamento do Cisa e as prisões de Stuart Angel e Rubens Paiva, Lucio Barroso negou envolvimento na prisão dos opositores políticos.
Oficial graduado no exterior — ele fez o curso de Inteligência Militar na Escola das Américas no Panamá — acabou afastado de suas funções depois do desaparecimento do dirigente do MR-8.
No depoimento, ele contou frustrado que foi transferido para a diretoria de Documentação. Além dele, devido às denúncias de Zuzu Angel, toda a cúpula da Aeronáutica foi afastada no início de 1972, inclusive o ministro da época, Marcio de Sousa e Mello.