São Paulo - As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sobre os métodos de tortura durante o regime militar apontam que, além de usarem pedaços de madeira e choques elétricos, os torturadores chegaram a usar animais vivos para obter informações de militantes de esquerda. Os métodos de tortura mapeados nos últimos meses chocaram os membros da comissão. Pelas informações coletadas até o momento, animais como cobras, ratos e jacarés teriam sido utilizados nas casas da morte entre outros locais de tortura no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo.
Nesta semana, por exemplo, o ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Político Social) do Espírito Santo Cláudio Guerra confirmou aos membros da comissão que, nas sessões de tortura testemunhadas por ele, jiboias foram usadas para torturar militantes de esquerda. Segundo Guerra, animais foram utilizados na 2ª Seção da Polícia Militar no Espírito Santo e no 38º Batalhão de Infantaria do Exército. “Acho a tortura uma covardia”, disse a membros da comissão. Guerra é autor de depoimentos tomados pelos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto que deram origem ao livro "Memórias de uma Guerra Suja" (Topbooks). A publicação trouxe várias revelações sobre o regime militar até então desconhecidas.
Alguns relatos apontam o uso de ratos em sessões de tortura em Minas Gerais. Jiboias também teriam sido usadas em São Paulo e Rio. Durante as investigações, os membros da CNV obtiveram informações de que jacarés eram colocados em frente a presos políticos para que mordessem os militantes que não colaborassem. Ainda não existem informações concretas sobre os locais de tortura onde os jacarés foram usados. Já os ratos e as jiboias eram adotados principalmente para intimidar as mulheres. Pelas informações obtidas pela CNV, existem relatos de torturadores que introduziam ratos vivos nos órgãos genitais das presas políticas.
Internamente, os membros da comissão classificam esses métodos de tortura como de “crueldade extrema”. Normalmente, o uso de animais vinha aliado à aplicação de choques elétricos e espancamentos com pedaços de madeira. No caso das mulheres, ainda havia o estupro (algumas vezes coletivo) das vítimas.
Desde o mês de junho, a Comissão da Verdade intensificou a tomada de depoimentos para complementar a elaboração do relatório final do órgão, que já está sendo redigido paralelamente às informações que vêm sendo prestadas por colaboradores. De acordo com o coordenador da CNV, Pedro Dallari, a expectativa é de que pelo menos outros 100 depoimentos sejam tomados até setembro.
Além de obter informações sobre o desaparecimento de presos políticos, os membros da CNV querem, nos próximos depoimentos, obter mais informações sobre os métodos de tortura utilizados nas casas da morte, inclusive o uso de animais nessas sessões.
Dentro dessa lista de depoimentos, a comissão também já estuda a possibilidade de chamar novamente para depor o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi/SP), entre 1970 e 1974. No seu primeiro depoimento à comissão, em maio do ano passado, Ustra negou-se a responder a várias perguntas, mas, conforme membros do órgão, deu indícios de participação em alguns desaparecimentos de presos políticos.
ONG denuncia tortura no Brasil
A ONG Human Rights Watch (Vigilância sobre os Direitos Humanos) divulgou ontem relatório em que denuncia 64 casos de tortura, por parte de policiais, agentes de segurança e agentes penitenciários, no Brasil desde 2010. Os casos de maus-tratos foram confirmados em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Espírito Santo.
Os números, segundo Maria Laura Canineu, diretora da ONG, são resultado de estudo a partir de testemunhos, filmagens, fotografias, laudos de perícia e sentença de julgamentos. Segundo ela, na maioria dos casos, a tortura ocorreu em delegaciais, penitenciárias e instituições para menos nas primeiras 24 horas após a detença. Os maus-tratos foram durante interrogatórios, como forma de tentar obrigar presos a confessar crimes.
A ONG enviou a denuncia ao Congresso e aos governos dos cinco estados citados. Além disso, mandou a deputados e senadores proposta de projeto de lei que obrigue os policiais a levarem qualquer preso à presença de um juiz em menos de 24 horas.