Por karilayn.areias
Lendas urbanas%3A A morte de Campos gerou uma série de versões para a tragédiaArte O Dia

Pernambuco - O povo pernambucano é reconhecidamente e assumidamente orgulhoso de sua terra e dos filhos de sua terra, como o ex-governador Eduardo Campos. E mais ainda dos costumes locais, onde se destacam o talento para a criação de lendas e boatos de toda a sorte. São tantas, que os moradores garantem que o Recife é a capital mundial da lenda urbana. Um fato que alimenta o imaginário popular e reforça a tese de atentado ao ex-governador.

Na madrugada deste domingo, quando o corpo chegou ao Palácio Campo das Princesas, a multidão recebeu os restos mortais de Eduardo Campos sob os gritos de "Justiça". Absolutamente nada tira da cabeça dos pernambucanos que a morte do ex-governador foi um atentado a sua vida, não um acidente.

Vale lembrar que o ex-governador morreu no mesmo dia que o avô, Miguel Arraes, que também governou o estado onde é considerado quase um mito pela população. Arraes, carinhosamente chamado de "véio arráia", em Pernambuco é conhecido como o "hômi que levou energia e água para o sertão".

"Lenda urbana é com a gente mesmo. Eta povo para criar história. Tem a da "perna cabeluda", a "mulher emparedada", a "menina sem nome", o "papa figo". O que não falta é história", garante o professor Ronaldo Suassuna, que, apesar do sobrenome, não tem parentesco com o escritor Ariano Suassuna, exímio contador destes causos morto mês passado e também apaixonado por Recife.

As versões variam desde as mais poéticas, como a "tava escrito que seria no mesmo dia que o avô mesmo", às conspiratórias, que garantem que Eduardo foi vítima de um atentado cujos autores variam de acordo com a vontade de quem conta: de Dilma a Aécio Neves, passando até por Marina Silva, sua companheira de chapa. E ai de quem duvidar das lendas recifenses!

GALERIA: Milhares de pessoas acompanham o velório de Eduardo Campos

"Ninguém aqui tem dúvida de que esse negócio foi esquisito. Só uma coisa não foi: tragédia. Ou tava escrito, ou foi mandado. Acidente mesmo, não foi", garante o comerciante Juvenal Mariano, seguro de suas convicções.

Há quem garanta, também, que Eduardo Campos passará a ser um protetor de Pernambuco, de onde estiver, junto com seu avô Arraes. Em família, a viúva, Renata Campos, embala os filhos mais novos dizendo que quando um pássaro voa baixo, pertinho da casa, é "Vô Miguel" protegendo a família e vendo se está tudo bem com os seus.

Multidão vai às ruas do Recife para a despedida do ex-governador de Pernambuco Eduardo CamposErnesto Carriço / Agência O Dia

"Aqui é tudo diferente. Só quem é pernambucano entende", conta a fisioterapeuta Renata Soraia, exímia contadora dos causos da cidade.

Conheça algumas lendas do Recife

1 – A perna cabeluda - A lenda da Perna Cabeluda surgiu na década de 1970, quando uma perna humana cabeluda foi encontrava no rio Capibaribe. Como a polícia não elucidou o caso, passou-se a dizer que a perna mal-assombrada corria atrás das pessoas nas ruas da capital pernambucana, tudo avalizado pelo depoimento de “testemunhas” que afirmam terem sido perseguidas por ela.

2 – A mulher emparedada - Quase todos os recifenses já ouviram falar no caso da Emparedada de Rua Nova, uma jovem que teria sido morta pelo pai ao descobrir que ela, ainda solteira, não era mais virgem e estava grávida. Para castigá-la, o pai teria a enterrado viva numa parede e a ossada teria sido descoberta décadas depois. A casa, claro, tornou-se mal assombrada.

3 – A menina sem nome - No cemitério de Santo Amaro havia um túmulo sem nome algum, que seria de uma menina sem nome vive que assombrando quem anda de carro à noite no Recife. Ela passa no meio da rua e os carros acabam sofrendo acidentes para desviar da criança. Para outros, porém, é uma santa. E muitos desejos teriam sido realizados após serem pedidos à menina sem nome.

4 – Mão fina - Essa lenda veio do interior e conta que uma mão fina viria por baixo da brecha da porta puxar o pé das crianças que levadas na hora do jantar.

5 – Papa Figo - O Papa Figo parece ser uma pessoa comum, mas colocava crianças dentro de um saco para comer seus fígados e aliviar a dor de uma grave doença. Feito isso, eles costumavam deixar junto com a vítima uma grande quantia em dinheiro para o enterro e também para compensar a perda junto à família. Aproveita a saída das escolas, os parques onde as babás se distraem com os namorados, as praças ensombradas. Nesses ambientes atrai as crianças com gestos engraçados, ou mostrando brinquedos, dando falsos recados ou prometendo levá-las para um local onde há muita coisa bonita. No Recife assusta muitas crianças, que ficam alertas a homens de orelhas grandes.

6 – Palhaço do Coqueiro - Era uma vez um homem cujo pai era palhaço muito famoso e também queria ser palhaço, mas como não conseguia fazer ninguém rir, enlouqueceu e fugiu do circo. Todos os dias que a lua era minguante ele subia em um coqueiro para observar a lua, que ria para ele. Quando uma nuvem tapava o sorriso da lua, ele descia para observar outros sorrisos. Quando encontra alguém, ele começa a fazer palhaçadas sem graça e, se a pessoa não rir, ele a hipnotiza, bate e exige que ela sorria.

7 – Comadre Fulozinha - É uma caboclinha que tem longos cabelos negros e consegue desaparecer sem deixar rastro. Ela adora fazer tranças na cauda dos cavalos. Ela protege a caça contra os caçadores. Para chamá-la, é preciso entrar na mata, no agreste, assoviar muito e gritar seu nome alto duas vezes, onde seu espírito virá te assombrar. Historia foi criada para menino não fugir para a festa à noite no interior de Pernambuco.

8 – Praça Chora Menino - Próxima ao Colégio Salesiano, à Praça do Derby e às ruas do Progresso e das Ninfas, é hoje uma simples confluência de vias. Mas sua fama e nome datam do século XIX. No ano de 1831, Recife enfrentou a revolta violenta de uma tropa insubordinada que tinha como obrigação a guarda do lugar. Soldados e civis a ela associados saquearam a cidade, cometendo todo tipo de atrocidades e assassinando centenas de moradores, entre eles muitas crianças. Essa revolta ficou conhecida como Setembrada. As ruas ficaram repletas de corpos, e muitos deles foram enterrados no local onde hoje fica a praça Chora Menino. O nome vem de relatos que começaram a circular tempos depois da Setembrada: dizia-se que quem passasse altas horas da noite perto da praça ouvia sempre choro de menino. Certamente tentou-se dar explicações "científicas" para o fato, de brincadeiras de estudantes a um tipo de sapo cujo coaxar seria semelhante ao choro de uma criança. Mas quem ouviu o estranho lamento nega-se a aceitar tais teorias tão pouco consistentes: o pranto fantasmagórico, por certo, não tem semelhança com sons emitidos pelos viventes.

9 - A Sedutora da Curva - Quem mora no bairro de Dois Unidos, na Zona Norte do Recife, ouve relatos sobre o espectro de uma mulher que aparece próxima a uma antiga fábrica. A história mais conhecida sobre esse fantasma conta que um senhor, que depois de tomar umas e outras, esbarrou com a mulher, linda e loira, já tarde da noite. A mulher se aproximou do sujeito, perguntou se ele tinha um cigarro para dar. O homem disse que não, mas a conversa depois de umas palavras trocadas, o desavisado senhor passou a mão boba nas pernas da moça e percebeu se tratar de uma caveira! Desesperado, ele saiu correndo e só parou na porta de casa. Bateu e tocou com veemência a campainha. Como não foi atendido prontamente, acabou derrubando a porta para tentar se esconder da terrível assombração.

10 - Rio Capibaribe - Apesar de sua beleza, o Capibaribe sempre provocou temor entre os recifenses. A tradição popular fala que, naquelas águas, habitam fantasmas pecaminosos. Almas penadas de suicidas que usaram o rio como rota de fuga deste mundo cruel. Permanecem, no entanto, no limbo. No escuro da noite, seus vultos de expressões angustiadas podem ser vistos por quem se aproxima das margens mais desertas. Naquelas águas também pereceram banhistas desavisados que não resistiram à força das correntezas. Seus corpos eram encontrados quilômetros adiante, inchados e roídos pelos peixes. Seus espectros esbranquiçados ainda aparecem para pedir socorro aos viventes. Na década de 70, o Capibaribe transformou-se num verdadeiro monstro aos olhos dos moradores da cidade. Durante os períodos de chuva, o rio transbordava trazendo destruição e, muitas vezes, morte. Quando as águas baixaram e os recifenses começavam a voltar para suas casas, deu-se um dos episódio mais insólitos da história pernambucana. O boato de que a barragem de Tapacurá havia estourado levou a população a concluir que o Capibaribe viria com mais força e cobriria toda a cidade. Instaurou-se o pânico generalizado e as pessoas corriam em desespero pelas ruas: uma cena dantesca que parecia antecipar o fim-do-mundo ou imitar o cinema catástrofe americano que estava em voga na época. O boato foi desmentido, as enchentes foram contidas nos anos seguintes e o Capibaribe permanece adormecido desde então. Mas não é exagero dizer que “O cão sem plumas” – como o rio foi chamado pelo poeta João Cabral de Melo Neto – merece respeito e reverência.

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