Venâncio Aires e Porto Alegre - RS - O palestino Ibrahim Abu Zahra nasceu, cresceu e envelheceu como refugiado. Com a mulher e a filha em Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, sobrevive dividido entre dois mundos. Longe da família e amigos, se martiriza em frente à TV, vendo conflitos em Gaza por um canal árabe. “Olha a criança. Não tem pais. Tudo morreu! Meu Deus, ajuda o meu país.”
Ibrahim e a família estão entre os 106 palestinos vindos de um campo de refugiados no Líbano para o Brasil há sete anos. O país reassenta estrangeiros que saíram de áreas de risco desde 2002, após acordo firmado pelo governo federal. Os palestinos estão em segundo lugar no ranking de reassentados no país, atrás dos colombianos, com 360 pessoas.
A família de Ibrahim pertence à terceira geração de refugiados. Em 1948, os pais dele, de origem sunita, deixaram Rafá, no sul de Gaza, para fugir da guerra com israelenses. Nasceu há 60 anos em Bagdá, Iraque, onde casou e teve filhos. Mas nunca foi considerado iraquiano. Com a saída de Saddam Hussein do poder, deixou o país devido à perseguição xiita. Em 2003, se mudou para um acampamento que abrigou 20 mil palestinos no deserto do Líbano.
O refúgio mudou de lugar quando eles foram reassentados em São Paulo e Rio Grande do Sul. As diferenças culturais e climáticas motivaram episódios curiosos. Acostumado com o deserto, um palestino se atirou no chão e agradeceu de joelhos pela chuva. Ainda nos primeiros dias, um grupo de solteiros confundiu sexo com amor ao se relacionar com garotas de programa no interior gaúcho.
“Eles estranharam porque tiveram que pagar. Achavam que o dinheiro era por comida”, lembra Karin Wapechowski, coordenadora da ONG Associação Antônio Vieira, responsável pelos reassentamentos em cidades gaúchas. Sete anos depois, Ibrahim convive com uma cruel consequência do refúgio: o isolamento. “Só choro. Vou morrer aqui, sozinho?”
Na cozinha, a mulher dele, Siham Abdalla, 54 anos, prepara café com tempero árabe. Ela não fala português e nutre a esperança de rever a mãe, refugiada na Dinamarca desde 1980. Quando sai na rua, atrai olhares por causa do lenço na cabeça. “Queria ser normal. Passar sem que ninguém reparasse”, reclama a filha do casal, Sabrina Zahra, que assumiu a responsabilidade de sustentar a família.
Ela trabalha 12 horas por dia como cabeleireira para colocar comida na mesa e pagar os remédios da mãe, que sofre do coração. Aos 24 anos, perdeu a esperança de entrar na faculdade de Comércio Exterior, um de seus principais sonhos. “A gente corre e nunca chega a nenhum lugar.”
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EM BUSCA DE UMA SEGUNDA CHANCE
Os colombianos refugiados no Equador em meio à guerrilha ganharam a perspectiva de vida melhor ao serem reassentadas no país. Em Venâncio Aires, duas famílias estão adaptadas à vida pacata da cidade. Em 2012, Pablo e Joana (nomes fictícios) deixaram Putumayo, na Colômbia, porque guerrilheiros tentavam recrutar seus filhos. Buscaram refúgio no Equador. E acabaram reassentados em outubro de 2013 no Brasil.
“No Equador, tive dificuldade em conseguir trabalho. Aqui, estou trabalhando”, compara Pablo, 50 anos, que já tem até uma neta brasileira, de três meses. O problema são as outras duas, que ainda estão na Colômbia.
Claudia (nome fictício), 24 anos, foi ameaçada pelo ex-marido e obrigada a deixar as filhas para trás. Com o assassinato dele, em maio, ela pretende buscar as crianças, de 6 e 8 anos, que estão com a avó. Mas teme morrer ao voltar para a Colômbia. Yineth, que integra a outra família de colombianos na cidade, nem pensa em voltar. Ela deixou o país com o marido e os três filhos pequenos em 2003 rumo a Quito, capital equatoriana, após o marido presenciar a explosão de um carro-bomba que deixou 15 mortos.
Há dois anos, a família foi reassentada no Brasil. Adaptados, já se comunicam em português. “Fui muito bem acolhida”, diz a filha mais velha, hoje com 19 anos, que já faz planos para cursar a faculdade de Letras no próximo ano.