Por thiago.antunes

Rio - Em outubro de 2014 completa-se 14 anos da Resolução 1325, assinada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para reconhecer a importância do papel das mulheres nos processos de consolidação da paz e manutenção da segurança no mundo. Para contribuir com essa discussão, o Instituto Igarapé lança este mês um estudo que avalia o papel do Brasil, enquanto Estado-membro da ONU, para a promoção da paz e segurança baseada na igualdade entre homens e mulheres. A pesquisa “Promover gênero e consolidar a paz: a experiência brasileira” aponta para uma tímida participação do Brasil nessas questões, mas revela que o governo está interessado em ser mais ativo neste processo e que o tema precisa ser pensado globalmente.

“Qualquer ação tem consequências diferentes para cada grupo de gênero (mulheres, homens, meninas e meninos). Em áreas de conflitos, meninas e mulheres são mais afetadas, principalmente nos campos de refugiados e deslocados. Muitas vezes, são elas que permanecem e tomam conta dos mais velhos e das crianças. E ainda sofrem vários tipos de violência, inclusive sexual, o que também pode ser utilizado como uma arma de guerra”, explica a autora Renata Giannini, pesquisadora do Instituto Igarapé e Doutora em Relações Internacionais. “É um momento importante para analisar essas práticas, já que em 2015 a implementação dessas resoluções serão revisadas”.

A pesquisa destaca os avanços e desafios no país e tem como objetivo promover a igualdade de gênero em um campo ainda pouco explorado e marcadamente dominado por homens. Aumentar a subrepresentada participação das mulheres na promoção dos processos de paz e reconhecer seus direitos em zonas de conflito podem ter um impacto significativo para a promoção da paz. Segundo Renata, na atualidade, “as mulheres sequer são chamadas para as mesas de negociações, mesmo tendo sofrido todas as consequências da guerra. Práticas para se alcançar uma paz verdadeira e sustentável precisam envolver as mulheres. Não se deve enfatizar, de maneira exagerada, a mulher no papel de vítima e reforçar visões estereotipadas”.

Pesquisa aborda aspectos das Forças Armadas, corporações policiais e corpo diplomático 

Segundo a análise, nas Forças Armadas do Brasil o contingente feminino representa apenas 7%. Deste total, a maioria é composta por médicas, enfermeiras, advogadas e intérpretes, sendo que nenhuma delas, quando atuam em missões de paz, estaria em contato direto com a população local exercendo atividades de proteção. A inclusão de uma perspectiva de gênero não é apenas uma questão quantitativa – as militares também deveriam ocupar posições de comando nas missões de paz. No caso do Haiti, país onde há o maior contingente militar brasileiro no exterior (1.420 efetivos e apenas 14 mulheres), as ações convergem para a implementação de Projetos de Impacto Rápido.

As tropas brasileiras são responsáveis pela proteção contra violência sexual e têm inclusive implementado ações que contribuem para o empoderamento das mulheres locais. Estas são importantes ações para reconstruir sociedades mais justas, onde a vulnerabilidade da mulher é tratada de maneira holística, muito além da proteção física. De acordo com a pesquisa, este seria um exemplo bem-sucedido da política brasileira sobre o assunto, já que deixa evidente a política de transversalização de gênero em algumas ações realizadas pelas Forças Armadas no terreno.

“As Nações Unidas cada vez mais solicitam a presença de profissionais de Estados de Direito em suas operações de paz, já que eles possuem papel fundamental nas investigações e atenção às vítimas. Nesse caso, a participação de policiais mulheres é ainda mais importante nas atividades de vistoria e patrulha”, afirma Renata. A ONU exige que os enviados ao terreno incorporem uma perspectiva de gênero às suas ações habituais. No Brasil, a presença de policiais em operações de paz é prejudicada pela ausência de uma política nacional de recrutamento. Em junho de 2014 só havia 20 policiais brasileiros em missões de paz, com apenas uma mulher. Desde o término da missão no Timor-Leste em 2012, a participação do Brasil nos componentes policiais da ONU ficou bastante reduzida.

A pesquisa do Instituto Igarapé analisa também as ações do Corpo Diplomático brasileiro na agenda de gênero, paz e segurança. Três projetos do Ministério das Relações Exteriores têm claramente estas características: as atividades na Guiné Bissau (finalizado), no Haiti (descontinuado) e na República Democrática do Congo. Este recebe as mais importantes contribuições técnicas com enfoque em gênero (em 2010, o Brasil doou R$1 milhão de dólares para o Alto Comissariado da ONU de Direitos Humanos para ajuda a vítimas de violência sexual no Congo). De acordo com o estudo, o Brasil se define como importante facilitador e mediador em processos de paz, apesar da recente timidez no que tange à participação ativa do país.

O estudo conclui que a delegação brasileira junto à ONU reconheceu a necessidade de incluir provisões sobre a violência baseada em gênero em acordos de paz e outros arranjos pós-conflito. Com isso, o Brasil assume que a violência baseada em gênero, incluindo a violência sexual, é uma ameaça à consolidação da paz. Estas considerações demonstram um entendimento positivo sobre esta questão e constituem um importante avanço.

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