Por bferreira

Rio - A menos de 30 dias da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, possíveis mudanças na listagem oficial de vítimas de graves violações de direitos humanos do período causam crise entre a CNV e familiares de mortos e desaparecidos políticos. Em uma comunicação ao qual O DIA teve acesso, um assessor da CNV admite a exclusão de 21 casos relatados por familiares. Entre os nomes retirados estão o do presidente João Goulart e de Ângelo Pezzuti, militante do Colina e da VPR.

O nome de João Goulart teria saído da lista de vítimas do regime militarAgência O Dia

A expectativa é de que os casos do relatório coincidam apenas com 415 dos 436 do “Dossiê Ditadura”, livro produzido por parentes das vítimas e publicado em 2009 a partir de investigações independentes e dos casos aprovados pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Além disso, a CNV pode incluir seis vítimas não reconhecidas até o momento.

A Comissão da Verdade de São Paulo criticou as mudanças argumentando que considera “um retrocesso questionar a veracidade destes fatos já reconhecidos oficialmente”. Em ofício encaminhado à CNV, o grupo diz que o caso de Ângelo Pezzuti já foi reconhecido pela Comissão de Anistia e que os critérios adotados deveriam ser mais flexíveis já que os agentes da ditadura trabalharam também para fabricar versões das violações de direitos humanos. “É evidente que a tarefa de investigação histórica demanda responsabilidade e cautela, mas não há justificativa para a CNV adotar as regras existentes em nossos sistema jurídico relativas à distribuição do ônus da prova utilizadas para períodos de normalidade”, informa o documento.

O deputado Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade de São Paulo criticou o modo como a CNV tem conduzido a conclusão do relatório. Para ele, falta diálogo. “Acho um absurdo a supressão dos 14 nomes e o tratamento dado a João Goulart”, afirmou Diogo.

Suzana Lisbôa, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, diz estar insegura com os resultados. “Fico muito chateada porque não sei quais são os critérios apresentados. Só vamos saber com o relatório pronto. Essa relação com os familiares deveria ter sido muito mais intensa durante todo esse período. A comissão se reuniu com o conjunto de familiares apenas uma vez”, explicou.

Ex- integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, ela discorda da nova listagem. “Não pode excluir uma pessoa que foi banida do país. Eles foram vítimas da ditadura por mais que eles ressalvem que não foi o estado que os matou, mas foi em função da ditadura que eles morreram. Eles tinham que ter investigado caso a caso”, afirmou Suzana.

Procurado, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse ao que a listagem ainda não foi finalizada. “Ainda não concluímos. Vamos fechar só na semana que vem”, disse. Ele observou que a lista precisa estar atenta à lei que criou o grupo e que prevê quatro tipos de violação de direitos humanos: torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. Dallari pontuou que, no caso do ex-presidente João Goulart, a comissão ainda aguarda os resultados da exumação do corpo a cargo da Secretaria de Direitos Humanos.

Na comunicação da CNV à qual O DIA teve acesso está descrito que 14 nomes “não foram considerados vítimas pela CNV”. Nesse ítem, além de Pezzuti, está também o camponês Wilson Souza Pinheiro. Figura emblemática no PT, Pinheiro tem até um instituto batizado com seu nome. No documento é descrito que “não ficou comprovado nexo causal com a repressão política estatal”.

Outros sete são tratados como “possíveis vítimas” uma vez que há elementos para considerá-los como vítimas, mas “falta documentação ou depoimentos comprobatórios”. Entre eles está o nome de João Goulart e do camponês “Joaquinzão”, figura conhecida da guerrilha do Araguaia e descrito em documentos de militares.

Veja a Comunicação da CNV

"A listagem de vítimas da CNV contém, hoje, 421 casos de mortes e desaparecimentos forçados. Como apresentado abaixo, a lista inclui 6 casos que não estão contemplados no Dossiê dos Familiares. Portanto, temos 415 casos coincidentes com o dossiê. Como o dossiê relaciona (salvo engano) 436 nomes, a lista da CNV traz 21 casos a menos.

Desses, 14 foram realmente excluídos porque, segundo deliberação tomada pela CNV, não foi possível caracterizá-los como vítimas de graves violações de direitos humanos (no caso, morte e desaparecimento). São casos de morte acidental (p. ex., disparo da própria arma, etc), de mortes no exílio (por acidente ou causas naturais, como câncer, etc), de vítimas de conflito no campo em que não foi possível implicar agentes do Estado ou relacionar diretamente à repressão política estatal ou, ainda, casos em que faltam documentos ou provas.

Outros 7 casos (totalizando a diferença de 21) estão colocados numa relação de “possíveis vítimas”, uma vez que há elementos para considerá-los como vítimas, mas falta documentação ou depoimentos comprobatórios, seja das circunstâncias de morte, seja da própria identidade da vítima.

Em resumo: das 421 vítimas no quadro da CNV, 6 não estavam no dossiê, 14 casos do dossiê foram retirados e 7 casos do dossiê estão na categoria de “possíveis vítimas”.

Segue abaixo a relação dos nomes (incluídos e retirados). Coloquei uma pequena descrição na frente de cada caso retirado que pode servir como uma breve justificativa da exclusão. Por favor nos avise se ficar alguma dúvida ou se forem necessárias outras explicações. Também peço que nos avise se observarem alguma incorreção ou se tiverem quaisquer críticas ou comentários, que são sempre bem vindos."

Vítimas consideradas pela CNV, cujos nomes não constam no Dossiê dos Familiares:

1. Angelina Gonçalves

2. Inocêncio Pereira Alves: processo posteriormente deferido pela CEMDP

3. Iguatemi Zuchi Teixeira

4. Sebastião Vieira Gama

5. Flávio Ferreira da Silva: processo posteriormente deferido pela CEMDP

6. Odair José Brunocilla

Nomes que estão no Dossiê dos Familiares, mas não foram considerados vítimas pela CNV:

1. Ângelo Pezzuti da Silva: Morre de acidente de motocicleta em Paris (mortes no exterior) .

2. Antônio Carlos Silveira Alves: Morto em 1º de abril quando a arma que conduzia disparou.

3. Ari da Rocha Miranda: Morto, acidentalmente, em 11 de junho de 1970, em São Paulo, quando a arma de um de seus companheiros disparou, atingindo-o mortalmente.

4. Carmem Jacomini: Exilou-se no Chile, de onde, após o golpe de setembro de 1973, foi para a França. Em fins de abril de 1977, faleceu em conseqüência de um desastre de automóvel em Aix-en-Provence, na França.

5. Djalma Maranhão: Em 30 de julho de 1971, vítima de uma parada cardíaca, faleceu no exílio em Montevidéu (mortes no exílio).

6. Gerosina Silva Pereira: Em 9 de setembro de 1978, Zizinha morreu de câncer, no exílio.

7. Luiz Affonso Miranda da Costa Rodrigues: Morto, acidentalmente, em 25 de janeiro de 1970, aos 19 anos, no Rio de Janeiro, quando a arma de um de seus companheiros disparou, atingindo-o mortalmente.

8. Raimundo Ferreira Lima: Líder camponês da região de Itaipava (PA), no Araguaia. Morto em 29 de maio de 1980, possivelmente por um capataz.

9. Sylvio de Vasconcellos: Arquiteto perseguido pelo regime. Depois de aposentado compulsoriamente pelo AI-5, em 1969, muda-se para os EUA, e morre em Washington em 1979.

10. Wilson Souza Pinheiro: Camponês e seringueiro amazonense morto em 1980. Não ficou comprovado nexo causal com a repressão política estatal.

11. João Barcellos Martins: Morre de infarto depois que soube que a sua casa tinha sido invadida por forças policiais.

12. João de Carvalho Barros: Familiares relatam que a casa foi invadida por homens armados em 02.04.1964, que atingiram João mortalmente. O processo foi indeferido pela CEMDP por falta de depoimentos ou documentos comprovando as alegações dos requerentes.

13. José de Oliveira: Camponês que teria sido morto no contexto da Guerrilha do Araguaia. Ausência de documentação.

14. José Soares dos Santos: Irmão de Alberi assassinado em 1977 em Foz do Iguaçu, no Paraná. Não foi possível comprovar a relação com a repressão política estatal.

Nomes que estão no Dossiê dos Familiares, e são considerados como possíveis vítimas pela CNV:

1. Ari Lopes de Macêdo: Estudante morto no 26º Batalhão de Caçadores de Belém. A versão oficial é de suicídio, mas há indícios de que sofreu sevícias. Dificuldade, no caso, de comprovar a militância política.

2. Ari de Oliveira Mendes Cunha: Morto em manifestação no pós-golpe. Segundo relato da CEMDP, teria sido morto na mesma ocasião em que Labibe Elias Abduch. Dificuldade, no caso, de comprovar a identidade da vítima.

3. Afonso Henrique Martins Saldanha: Preso em 1970 e torturado, morre em 1974. Dificuldade em comprovar que as torturas sofridas desencadearam o processo de metástase que levou à sua morte.

4. João Belchior Marques Goulart: Aguardando os resultados da perícia.

5. José Sabino: Morto depois de ferido à bala em manifestação de sua no RJ reprimida pela polícia. Faltam documentos que comprovem a identidade da vítima e o relato de que morreu nessas circunstâncias.

6. "Batista": Camponês morto na guerrilha do Araguaia. Faltam, no entanto, informações que confirmem a sua identidade e as circunstâncias de morte.

7. "Joaquinzão": Camponês morto na guerrilha do Araguaia. Faltam, no entanto, informações que confirmem a sua identidade e as circunstâncias de morte.

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