Por adriano.araujo, adriano.araujo
Rio - Correm fortes rumores sobre inquietação na área militar. Oficiais estariam insatisfeitos com os rumos tomados pela Comissão Nacional da Verdade, que apurou os crimes cometidos durante a ditadura. O relatório final das investigações será divulgado na próxima quarta-feira, em solenidade no Palácio do Planalto, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, sem cujo respaldo a CNV não teria saído do papel. Antes mesmo de se conhecer o teor do documento, a colunista Mônica Bergamo, da ‘Folha de S.Paulo’, revelou que generais da ativa enviaram um recado aos membros da CNV: não veem com bons olhos a responsabilização de ex-presidentes do regime de exceção pelos crimes de tortura, assassinatos e desaparecimentos. Conta Mônica que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, descendente de generais, teria tomado conhecimento da crescente inquietação nos quartéis. FHC comentou com amigos que foi alertado por um militar de alta patente sobre a tensão provocada pelo relatório.
Neste domingo, Ancelmo Gois, em ‘O Globo’, também abordou a crise. Antecipou que o texto da CNV vai apontar as Forças Armadas como responsáveis pelas graves violações de direitos humanos durante a ditadura. Mas ressalta que, para não melindrar os militares, a presidenta Dilma optou por cerimônia discreta, só para convidados. Mais tarde, haverá um evento aberto ao público, na sede nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Ex-presa política e vítima de tortura na prisão, Dilma faz bem em evitar bravatas desnecessárias. Ela e todos os brasileiros com mais de 60 anos sabem muito bem o que o país sofreu durante os 25 anos de ditadura. Sabem do que os militares no poder são capazes. E sabem também que, por mais sólida que seja a democracia, há sempre correntes mais à direita, prontas para iniciativas autoritárias. Principalmente se concluírem que têm apoio de parte da opinião pública.
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Autor de quatro volumes essenciais sobre o ciclo da ditadura, o jornalista Elio Gaspari costuma dizer que, em tempos de democracia, manifestações isoladas de militares não têm importância e não merecem ser registradas pela imprensa. Só eram temíveis quando os generais de quatro estrelas disputavam a fila para assumir a Presidência da República (ou seja, quando a imprensa tinha repórteres especialistas no Almanaque do Exército). Hoje, com os civis no comando até mesmo do Ministério da Defesa, podemos ficar tranquilos. Mas não deixa de chamar atenção a insistência com que se fala em golpe desde a reeleição de Dilma. Todo dia a palavra aparece na boca de alguém. Só faltava essa onda de golpismo. Até mesmo quadros do PT e do governo federal se referem ao fantasma do golpe, ao rebater as críticas de Aécio e de outros tucanos. Acusam a oposição de querer virar a mesa.
Cartunistas experientes como Aroeira e Miguel Paiva têm se dedicado ao tema. Aroeira, no ‘Brasil Econômico’, já mostrou Aécio Neves incorporando Carlos Lacerda, o ‘Corvo’ udenista que apoiou o golpe de 1964. Paiva publica no ‘Globo’ uma série de charges para refrescar a memória de quem quer a ditadura de volta. Cartunistas são artistas sensíveis para os humores da sociedade. Muitas vezes se antecipam. Mas agora deve ser reação às passeatas de minorias anti-Dilma na Avenida Paulista. Vamos confiar na visão de Gaspari. Não há o que temer. Os dias de leitura do Almanaque do Exército pertencem ao passado.