Por bferreira

Rio - Faz parte do folclore do futebol. Quando um time começa a colecionar maus resultados, os repórteres cercam a diretoria do clube e fazem perguntas sobre o futuro do técnico. No início, as respostas são evasivas, mas as pressões da torcida crescem e se passa a aguardar o desfecho. A senha costuma vir com a seguinte declaração do presidente: “Fulano está prestigiado”. É a deixa para a queda do treinador. Em geral, a demissão vem em questão de horas. A política funciona diferente do futebol, mas também existem casos de fritura. É cada vez mais ostensivo o isolamento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no governo.

Alvo de críticas do PT (dizem que por trás dos ataques está o ex-presidente Lula), ele vive situação semelhante a de um técnico prestes a deixar o cargo. Esta semana, indagada sobre as pressões pelo afastamento do ministro, a presidenta Dilma Rousseff respondeu: “Joaquim Levy é da minha confiança, fica no governo”. Passou muito perto de dizer que Levy está “prestigiado”.

Joaquim LevyAgência Brasil

Se havia dúvidas sobre o desgaste de Levy, foram desfeitas na manhã da sexta-feira, durante o anúncio oficial do corte do orçamento no Palácio do Planalto. Apesar de haver sobre a mesa uma placa identificando o lugar do ministro da Fazenda, ele não compareceu. Coube ao titular do Planejamento, Nelson Barbosa, dar as explicações sobre o contingenciamento de R$ 69,9 bilhões. Levy deu dois motivos para justificar sua ausência: uma forte gripe e problemas na agenda. Mas não convenceu, pois trabalhou normalmente até o início da noite. Descobriu-se que o ministro ficou irritado com os números finais do corte, pois queria algo mais próximo de R$ 80 bilhões. Foi voto vencido e torceu o nariz.

Corre em Brasília que ele teve uma conversa dura com Barbosa e, na última hora, decidiu deixar o colega sozinho na entrevista coletiva. Mandou em seu lugar o secretário do Tesouro Nacional, que não abriu a boca. Ao deixar Brasília, Levy enviou uma mensagem para os jornalistas: “Volto novo na segunda. A cada um, um ótimo final de semana. Joaquim”.

Pode ser que, hoje, Joaquim volte a seu gabinete com novo ânimo. Mas, ao que se sabe, o ministro está bastante irritado com os recuos do governo em relação ao ajuste fiscal, caso, por exemplo, do adiamento da votação no Senado sobre regras mais rígidas para o seguro-desemprego e o abono salarial. E também vê com maus olhos as negociações em torno do fim da desoneração da folha de pagamentos de empresas. Parlamentares negociam a permanência do incentivo fiscal com entidades da indústria. O que joga por terra a previsão de economia de R$ 18 bilhões. Os planos de Levy, portanto, estão fazendo água.

Embora o ministro tenha apoio do FMI, não para de enfrentar objeções no meio acadêmico. Na opinião do professor Carlos Cosenza, da Coppe-UFRJ, “a austeridade leva rapidamente à queda da arrecadação e novos impostos têm que ser criados, abrindo caminho para uma armadilha fiscal”. Cosenza faz um paralelo com o aperto radical contra o qual se revoltaram países da Europa. “Acabamos de perder, na Coppe, um projeto de R$ 12 milhões. Estamos com inveja da tróica euroeia e criamos a nossa: mercado financeiro, Ministério da Fazenda e agências de risco”.

Cresce, portanto, a rejeição à receita ortodoxa de Levy. Mas, até segunda ordem, ele “fica no cargo”.

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