Por felipe.martins

Rio -   ‘Se passar essa emenda, em breve todos estarão fazendo cirurgia para mudar de sexo, porque vai ficar mais fácil se eleger para Câmara federal”, disse, em tom de galhofa, o deputado Delegado Edson Moreira (PTN-MG) durante a votação da cota de 15% para mulheres em cargos parlamentares, prevista na reforma política. A frase resume a dificuldade histórica para aumentar a representação feminina nas instituições políticas brasileiras. Mas é este cenário que um grupo de mulheres Brasil afora começa a discutir para tentar mudar: vem aí a #partidA,movimento e projeto de partido político que quer levar o feminismo para dentro do Congresso e do poder.

Clique sobre a imagem para a completa visualizaçãoArte O Dia

Desde maio, reuniões têm sido realizadas em diversas capitais do país para discutir uma “democracia feminista” que inclua outros segmentos pouco representados na política institucional, como “negros, homossexuais e indígenas”, como explica a filósofa Márcia Tiburi, uma das lideranças da #partidA. A coleta de assinaturas, necessária para a formação de um novo partido, só começará num outro momento. “Temos que reconstruir a política na esfera cotidiana, estamos nessa fase. Mas pensamos em eleição, em representação, em transformar o poder”.

A presença de uma mulher na Presidência da República desde 2011 não mudou um cenário excludente. No Brasil, as mulheres conquistaram o direito ao voto na década de 30. Para se ter ideia, a bancada feminina corresponde a 9% dos 513 deputados da Câmara e 16% dos 81 senadores. Para a professora da UFRJ Susana de Castro, que participa da construção da #partidA no Rio, a ausência de mulheres da política é reflexo de fatores históricos e de uma tradição de exclusão da política brasileira. “Além disso, existe uma luta histórica do feminismo em fazer as mulheres reconhecerem que não são os homens, necessariamente, os seus representantes”, destacou ela.

A diferença nas trajetórias individuais também afeta o surgimento de lideranças femininas, aponta Débora Thomé, cientista política e uma das líderes do ‘Bloco das Mulheres Rodadas’, que desfilou pela primeira vez neste ano no Rio. “Lideranças masculinas nascem no grêmio do colégio, vão para o movimento estudantil, um partido o chama. E a mulher que está ali ao lado dele só escuta para se casar e ter filhos”, pontuou.


Homens podem participar

Segundo Márcia Tiburi, homens são bem-vindos nas reuniões da #partidA, desde que não compartilhem de “machismos e racismos”. “Existem feminismos que desconsideram a participação do homem na construção do movimento, mas nós queremos o diálogo. Iremos tratar da questão do sexo, idade, educação, cidade, governo, saúde, cultura, tudo isso é do nosso debate”, afirmou Tiburi. “A gente não quer mais direitos que os homens, queremos um mesmo patamar”, resumiu Débora Thomé.

Desde maio%2C são realizadas reuniões em diversas capitais do país para discutir a criação do novo partido sob a ótica de uma “democracia feminista”Divulgação

O desafio é tirar a discussão da #partidA de um âmbito predominantemente acadêmico para outros segmentos da sociedade. Segundo as lideranças do movimento, cidades do interior têm espontaneamente aderido ao projeto de criação de uma legenda feminista. Mesmo assim, elas ressaltam que para a mulher, no geral, é difícil encontrar tempo hábil para fazer política. “Um monte de gente que está na Baixada Fluminense não pode vir conversar porque está trabalhando, tem filho pra cuidar. As mulheres não têm tempo para fazer política”, disse Tiburi.


Lei dos 30% é descumprida no país

Por lei, as mulheres devem ser pelo menos 30% das candidaturas nos âmbitos municipal, estadual e federal. Estudo feito pela Secretaria da Políticas para as Mulheres, mostrou, porém, que a norma foi desrespeitada na maioria dos estados nas últimas eleições, em 2014. O número bruto de candidaturas aumentou de 2010 para 2014 (de 3.572 para 6.413), mas mesmo assim não se atingiu os 30%.

Com a legislação, partidos não hesitam em colocar mulheres nas chapas apenas para tapar o buraco aberto pela obrigatoriedade dos 30%. Em junho, a Câmara rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição que previa a criação de uma cota de 15% para as mulheres em todas as cadeiras parlamentares do país. A ideia inicial era de 30%, mas sem acordo, chegou-se ao número de 15%. Nem assim foi aprovado.


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