Por fernanda.macedo
Brasília - O Senado Federal aprovou, na noite desta quarta-feira, às vésperas das comemorações do Dia Internacional dos Direitos Humanos, um requerimento de urgência que está sendo considerado por organizações nacionais e internacionais mais um golpe nos direitos mais básicos do cidadão. O requerimento aprovado prevê uma espécie de votação-relâmpago para aprovar a emenda constitucional 81/2014 (antiga PEC do Trabalho Escravo), que prevê o confisco de propriedades em que este crime for encontrado. A manobra, no entanto, consiste em retirar a parte que protege a dignidade do trabalhador, descaracterizando condições de trabalho análogas à escravidão.

Atualmente, são elementos que caracterizam trabalho análogo à escravidão: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). O projeto quer retirar os dois primeiros elementos da caracterização de trabalho escravo, as condições degradantes e a jornada exaustiva.

"A proposta que deve ir à votação no plenário do Senado pretende ajudar a acabar com o trabalho escravo mudando o que é trabalho escravo e não combatendo diretamente o problema e surge em meio à balbúrdia que se instalou no Congresso em meio à discussão sobre o impeachment", explica Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil.

Os atores Wagner Moura e Dira Paes, que são contra a proposta, enviaram mensagens ao presidente do Senado, Renan CalheirosDivulgação

A proposta para regulamentação da emenda estava tramitando na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania do Senado (CCJC) e havia um acordo com a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo para que fossem convocadas mais audiências públicas a fim de ouvir trabalhadores, cidadãos envolvidos no combate ao trabalho escravo, sociedade civil, empresários, entre outros. Depois de votada na comissão, a proposta seria enviada ao plenário do Senado e, depois, da Câmara. Parlamentares ruralistas, no entanto, obtiveram o apoio de líderes partidários para que a matéria fosse retirada da CCJC e trazida para votação ao plenário diretamente.

A manobra no Congresso teve reação imediata nas entidades que combatem o trabalho escravo no país. Diretora do Movimento Humanos Direitos (MHuD), a atriz Dira Paes, enviou mensagem ao presidente do Senado, Renan Calheiros, foi uma das primeiras a se manifestar, através de e-mail enviado ainda na noite desta quarta-feira:
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"Caro Senhor Presidente do Senado Renan Calheiros
Venho por meio desta, perdi-lhe que interceda sobre a possibilidade de votação para amanhã, do Projeto de Lei do Senado 432. O projeto é do senador Aníbal Diniz, que diz respeito à expropriação das propriedades rurais e urbanas onde se localizem a exploração do trabalho escravo.
A votação pode ser marcada para amanhã. É imprescindível que hajam audiências públicas antes da votação.
Todos nós envolvidos na campanha contra o trabalho escravo estamos extremamente preocupados com o retrocesso que esta votação pode causar.
Contamos com a sua ponderação, pois acreditamos nos avanços e conquistas do país contra essa mancha irreparável da escravidão vigente na sociedade brasileira.
Agradeço a atenção e a consideração,
Dira Paes".
Representando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o ator Wagner Moura, também se pronunciou sobre a manobra em e-mail a Renan Calheiros.
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"Caro Senhor Senador Renan Calheiros,
Meu nome é Wagner Moura, sou ator brasileiro, fiz alguns filmes que talvez o senhor tenha assistido, como Tropa de Elite. Além disso, venho trabalhando junto a OIT como Embaixador da Boa Vontade, especificamente na luta mundial contra o trabalho escravo. Em viagens por vários países tenho tido o prazer de dizer que o Brasil é protagonista mundial dessa luta. Nenhum país tem em seu código penal uma definição tão abrangente de trabalho análogo à escravidão. Em nosso país, como o senhor sabe, trabalhos em jornadas exaustivas, em condições que degradem a natureza humana, por dívidas ou forçados são considerados como trabalho análogo ao escravo. Isso é motivo de orgulho de muitos brasileiros e de admiração mundo afora.
Com a votação, por pedido de urgência no Senado, do projeto de lei que regulamenta a emenda constitucional 81\2014 estaremos correndo o risco de mais um grande retrocesso no nosso país. O projeto de lei, que em seu nascedouro seria mais um instrumento na luta contra a escravidão contemporânea, já que confisca terras onde forem encontrados trabalhadores escravizados, terminou por servir a uma manobra sorrateira da bancada ruralista no sentido de retirar da definição brasileira de trabalho escravo dois de seus pilares mais importantes: a jornada exaustiva e o trabalho em condição degradante.
Lhe peço Senador, por meio desta mensagem, como brasileiro e Embaixador da Organização Internacional do Trabalho que o Senado não permita a concretização dessa manobra e que antes de colocar o projeto em votação, faça as necessárias consultas públicas a respeito desse tema.
Atenciosamente,
Wagner Moura".