Rio - Quando a dívida já não cabe mais no bolso e as chances de pagá-la ficam cada vez mais distantes, ainda resta uma alternativa que na prática tem mostrado excelentes resultados: encarar o gerente e fazer um acordo com o banco. É exatamente o que mostra uma pesquisa encomendada pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) ao revelar que oito em cada dez consumidores (84%) inadimplentes conseguem quitar as dívidas renegociando o valor diretamente com os bancos. O estudo foi realizado com o objetivo de traçar o perfil e os hábitos de consumidores adimplentes e inadimplentes no Brasil. Para isso foram ouvidas 1.238 pessoas de todas as 27 capitais brasileiras entre os dias 24 de julho e primeiro de agosto.
Os números revelam uma mudança clara de comportamento na maneira como os bancos brasileiros passaram a se relacionar com os próprios clientes, sobretudo os de menor poder aquisitivo. Se antes a relação era inflexível, agora as instituições financeiras parecem querer ouvir propostas e renegociar, independentemente do perfil do correntista. É tanto que o estudo mostra que o percentual de consumidores das classes C, D e E que conseguiram chegar a um acordo com o banco é 6% maior do que consumidores das classes A e B. “A portabilidade das dívidas, implementada no Brasil em abril do ano passado, incentivou o consumidor a transferir os débitos de um banco para o outro em busca de juros menores. Para contornar a concorrência, os bancos estreitaram a relação com os clientes e desburocratizaram a negociação”, explica o presidente da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), Roque Pellizzaro Junior.
Segundo os economistas do SPC Brasil, ao propor um acordo com a instituição credora, é possível conseguir bons resultados como reduzir o tamanho das prestações, obter juros menores e prazos mais alongados. Se a intenção do consumidor for pagar a vista, é possível até pedir um desconto no valor total da dívida. Essas condições são bem vantajosas e possíveis de negociação, se levarmos em consideração que a maior parte das dívidas destas pessoas foi contraída por serviços oferecidos pelos próprios bancos e, na maioria dos casos, possuem valores que extrapolam o orçamento dos inadimplentes.
E este é exatamente o perfil das dívidas apontado pelo estudo: quatro em cada dez consumidores inadimplentes tiveram os nomes incluídos em serviços de proteção ao crédito por atrasos referentes a cartões de crédito (46%) ou financiamentos bancários (40%). Além disso, quase a metade dos débitos (45%) estão concentrados em valores entre R$ 1 mil e R$ 5 mil. Surpreendentemente, o percentual de consumidores de classes C, D e E dentro desse intervalo sobe de 45% para 52%. “São valores altos, que em muitos casos ultrapassam em cinco vezes o valor da renda familiar dessas pessoas. É preciso sentar para negociar com o credor o mais rápido possível para se chegar a um acordo razoável para ambas as partes”, analisa o gerente financeiro do SPC Brasil, Flávio Borges.
Perfil do consumidor com e sem dívidas
De acordo com a pesquisa, pertencer à classe C, ser autônomo, ter gasto fixo com aluguel e possuir baixa escolaridade são algumas das características dos consumidores inadimplentes. Por outro lado, pertencer às classes A, D ou E, ser funcionário público e estar empregado há mais de cinco anos são atributos relacionados a quem mantém as contas em dia.
O levantamento revela que 47% dos devedores estão concentrados entre os consumidores da classe C. “É natural que a inadimplência esteja focada nos extratos médios da sociedade, se considerarmos que esses brasileiros passaram a ter acesso a crédito barato e desburocratizado em um passado muito recente, sem saber como utilizá-lo de maneira planejada”, avalia Borges. No sentido contrário, consumidores das classes A e E, representam apenas 3% dos inadimplentes pesquisados. “Consumidores das classes A e E têm o hábito de pagar compromissos a vista, embora os motivos sejam diferentes. Os mais ricos têm ‘gordura’ para gastar: pagam a vista e, quando parcelam, tendem a honrar seus compromissos. Já os mais pobres não parcelam, porque raramente têm acesso ao crédito e optam por pagar a maioria das contas com dinheiro”, explica o especialista.
Os dados do estudo também mostram que 22% dos entrevistados com as contas em dia também pagam aluguel. Quando analisada a amostra de quem está com as contas em atraso, o número daqueles que moram em casas alugadas sobe para 33%. Na avaliação dos economistas do SPC Brasil, esse tipo de despesa alta consome um percentual considerável do orçamento familiar e colabora para que haja menos dinheiro disponível para o pagamento das outras contas.
Outro fator de diferenciação diz respeito ao nível de escolaridade dos consumidores e à estabilidade que possuem no emprego. Se por um lado, a parcela de consumidores adimplentes com nível superior é de 27%, por outro, o percentual destes mesmos consumidores entre a amostra de inadimplentes cai para 16%. “Provavelmente são pessoas com acesso à informação, que procuram condições melhores de financiamento e que possuem maior facilidade para se programarem na hora de adquirir um bem a prazo”, avalia Ana Paula Bastos, economista do SPC Brasil.
Distribuição por nível de escolaridade
O estudo também revela que profissionais com menor estabilidade no emprego e que não podem contar com um salário fixo no final do mês têm maior propensão a se tornarem maus pagadores. É o caso dos autônomos, que representam 15% entre a amostra de adimplentes e têm o percentual quase dobrado (28%), quando comparados com a parcela de inadimplentes.
Educação financeira
Quando perguntados se a dívida adquirida poderia ter sido evitada, quase metade (46%) das pessoas entrevistadas responderam que sim. A maioria (66%) afirmou que “deveria ter controlado os impulsos e ter resistido mais” e 32% admitiram que não estariam inadimplentes caso “tivessem feito um planejamento financeiro, controlando o orçamento sem gastar mais do que recebem”. Para o SPC Brasil, as respostas permitem aferir que há um grande espaço para que os consumidores recebam algum tipo de educação financeira. “Ela não seria apenas necessária, mas, principalmente bem vinda, a partir do momento em que o inadimplente reconhece que o atraso poderia ter sido evitado”, explica Flávio Borges.
De acordo com o especialista, o uso consciente do crédito é especialmente importante para famílias de menor poder aquisitivo, pelo fato de agora poderem ter acesso a bens e serviços que não teriam, caso tivessem de fazer pagamentos a vista. Mas por outro lado, dizem os educadores, é importante que o desejo de consumir não atropele o planejamento financeiro de cada um. “A simples prática de anotar gastos e despesas, fazer três orçamentos, acompanhar extratos bancários e não comprometer mais do que 30% do orçamento com compras parceladas já são eficientes e podem dar ao consumidor uma vida financeiramente saudável”, avalia.