Por tamyres.matos
Rio - Pelo menos cinco mil internautas já aderiram ao primeiro boicote aos restaurantes que cobram acima de R$ 45 no quilo da refeição. O movimento está previsto para começar às 18h de segunda-feira e acabar em 2 de junho, às 21h. A iniciativa consiste em não frequentar estes estabelecimentos comerciais durante 120 dias.
Produtor de radio e TV, Felipe Careli de Castro, 28 anos, mora no Rio há sete meses. Ele foi aprovado em concurso público para empresa estatal de comunicação e para não gastar além da conta, busca qualidade e preço baixo. “Almoço fora diariamente e não desembolso mais do que R$ 15”, disse, acrescentando que mesmo nos fins de semana não aceita pagar mais de R$ 80.

Não é só o preço das refeições que assusta o paulista de Ribeirão Preto. Ele paga R$ 1.500 num quarto em Ipanema, enquanto a mãe desembolsa a mesma quantia em uma casa de três quartos em condomínio fechado com piscina e segurança na cidade natal em São Paulo. “É um abuso por parte de alguns empresários do Rio”, disse, em relação ao elevado custo de vida daqui.

Felipe mora no Rio há sete meses e está assustado com o custo de vida da cidade. Ele paga R%24 1.500 num quarto de apartamento em Ipanema e tenta economizar como podeFernando Souza / Agência O Dia

Careli ouviu falar do boicote e diz que apoia totalmente a iniciativa. Para ele, somente a mobilização popular é capaz de neutralizar situações extorsivas como uma água mineral custar R$4 e um misto-quente sair por R$ 20, preço praticado na orla do Rio, e uma picanha valer R$90, como vem ocorrendo em restaurantes de Vila Isabel, Zona Norte.

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Mesmo trabalhando na Barra da Tijuca, o contabilista Kennedy Luiz Silva, 42, se nega a pagar mais de R$4,50 por 100 gramas de comida. Para fugir dos preços que considera abusivos, almoça em restaurantes mais em conta. “São três estabelecimentos que cobram R$ 3,29 por 100 gramas. Eles praticam o mesmo preço”, disse, citando que assim conseguem cativar a clientela.
Silva não tinha ouvido falar do boicote até ontem, mas diz que apoiará incondicionalmente qualquer ação que visa baixar o custo de vida no Rio. Ele mora no Centro, e frisa que nem a lazer se dispõe a gastar mais de R$80. “Pago mais quando saio com a mulher, mas mesmo assim procuro restaurantes, bares e lanchonetes que não abusam do consumidor”, disse.
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O comerciário Cleber Willian Henriques, 38, é mais cético quanto aos movimentos populares. “Nunca vi baixarem preço por causa de boicotes”, disse. Ele mora em São João de Meriti e ressalta que mesmo lá encontra estabelecimentos que praticam preços abusivos. “Dependendo do restaurante e do pedido, a comida vem ‘salgada’”, disse em relação ao custo do prato.
Na Lapa, onde trabalha, desembolsa menos de R$ 20 por refeição. “Me controlo, pois não tá fácil comer na cidade diariamente”, disse o comerciário.
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Movimento é articulado por meio das redes sociais
O boicote é iniciativa vinculada às páginas de redes sociais que estão se tornando febre, começando pela capital carioca, onde a fan page Rio $urreal, no Facebook, primeira do gênero, tem mais de 130 mil seguidores. A interação é o ponto forte do canal, com usuários mostrando os abusos cometidos por empresários e prestadores de serviços autônomos.

A internauta Adriana Leal fotografou a conta de um restaurante de shopping na Zona Norte e postou: “Pra quem acha que os preços estão surreais apenas na Zona Sul, paguei R$ 27,30 por meia porção de batatas fritas com um cheddar horroroso.”

Kennedy trabalha na Barra%2C um dos bairros mais caros do Rio%2C mas ainda assim consegue pagar menos de R%24 3%2C50 por 100 gramas de comidaFernando Souza / Agência O Dia

Não é só no segmento gastronômico que os preços praticados estão fora de controle.Leonardo Braz postou que no bloco Spanta Neném, a meia entrada para brincar na agremiação custa R$220 e a inteira R$ 440. “Isso descaracteriza o Carnaval de rua do Rio. Abadás? Área vip? Inaceitável. Já virou hipersurrealismo carioca”, destacou.

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A prestação de serviço também é surreal. Jurema Ferreira está mudando para São Cristóvão e o eletricista queria cobrar R$ 400 para instalar 12 luminárias simples. “Chamei outra pessoa e paguei apenas R$ 70”, disse, acrescentando que pesquisar antes de contratar é fundamental.
Em 17 de janeiro, O DIA mostrou que levar comida para o trabalho pode render economia de até R$ 5 mil em um ano. O custo diário para o carioca comer na rua, em 2013, foi de R$28,37, contra a média nacional de R$27,40, conforme a Associação das Empresas de Refeição e Alimentação para o Trabalhador (Assert).
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'Vai durar para sempre'
Autor do livro Sociedade em Rede, o sociólogo catalão Manuel Castells alerta que as manifestações que ocorrem no país são contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa dos direitos humanos. “Os movimentos colocam a dignidade e a democracia como meta. É um protesto democrático e moral”, disse ao visitar o país.
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Com relação à duração dos movimentos sociais, Castells afirmou que vão durar para sempre na internet e na mente da população. “E continuarão nas ruas até que exigências sejam satisfeitas”, disse.
Ele está entre os pensadores mais influentes do mundo atualmente. Dia 25 de janeiro, uma manifestação organizada por estudantes, por meio das redes sociais, começou em frente ao Copacabana Palace e percorreu a orla do bairro até Ipanema. “Da Copa eu abro mão, eu quero é dinheiro pra saúde e educação”, cantavam.
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Os protestos no Brasil iniciaram na metade de 2013 como um movimento de contestação ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo. De lá pra cá não parou mais, e os motivos também diversificaram. Toda iniciativa é articulada pelas redes sociais e não há um líder.