Rio - Na disputa entre trabalhadores e Caixa Econômica Federal, pela correção maior do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), os empregados ganharam um round. A Justiça Federal do Rio Grande do Sul decidiu, em caráter liminar, que vale para todo o país a Ação Civil Pública da Defensoria Pública da União (DPU) para obrigar o banco a corrigir o saldo do fundo pela inflação e não pela TR. A Caixa ainda pode recorrer.
No primeiro despacho, o juiz Bruno Brum Ribas, da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, atendeu ao pedido da defensoria.
“Essa é a primeira grande vitória dos trabalhadores”, comemorou a defensora Fernanda Hahn, que assina a ação. “ Se o pedido não tivesse sido aceito, precisaríamos de ações em todos os estados”, afirmou.
Na ação da DPU foi requerido que a Caixa Econômica Federal corrija automaticamente o saldo do FGTS de todos os trabalhadores com saldo no fundo a partir de 1999. Porém, isso só ocorrerá após uma decisão final em instâncias superiores. Assim, a Defensoria Pública da União orienta aos trabalhadores aguardarem os próximos passos da Justiça.
A ação partiu do entendimento de que a Taxa Referencial (TR), usada para corrigir o saldo do FGTS, não repõe as perdas com a inflação. Conforme a defensoria, têm direito à revisão do fundo todos os empregados com carteira assinada e que contribuíram com o FGTS de 1999 a 2013.
Mesmo em caráter liminar, a decisão animou trabalhadores no Rio. Supervisor de Canais da Caixa Econômica Federal no Rio, Rômulo Alves, 26 anos, afirmou que está juntando o FGTS para realizar um sonho: comprar um apartamento em breve.
“Estou esperando ter o suficiente para comprar a minha casa própria”, afirmou.
Morador da Glória, ele aguarda a decisão da Justiça Federal para decidir se vai entrar com ação.
“Estou avaliando se vou pedir ou não a minha revisão. Mas, se eu tiver direito, com certeza solicitarei o reajuste”, afirmou.
Apesar da pouca idade e de tempo de fundo, a assistente de administração, Jéssica Pimenta, 20, diz que estudará a possibilidade de também entrar com um processo . “Caso seja vantajoso, é um caso a se pensar”, disse.
TR começou a cair em julho de 1999
O saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é corrigido pela Taxa Referencial (TR) — índice usado para atualizar o rendimento das poupanças — mais juros de 3% ao ano. No entanto, a TR começou a ser reduzida paulatinamente e, desde julho de 1999, passou a ficar abaixo da inflação, encolhendo também a remuneração do FGTS.
Em 2013, por exemplo, a taxa acumulada foi de 0,19%, enquanto a inflação do país, calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou o ano em 5,91%.
A estimativa é que a diferença percentual entre o que o trabalhador de fato recebeu e o que deveria ter ganho de remuneração do saldo do fundo, varie de 60% a 80%, dependendo dos meses e dos anos trabalhados.
Caixa Econômica Federal obtém vitórias nos processos em varas federais
A Caixa Econômica Federal tem saído vitoriosa ao recorrer da maioria das ações pela correção maior dos saldo do FGTS. Segundo uma fonte do banco, “mais de 200 juízes” já deram sentenças contra a revisão em todo o país. O último balanço oficial aponta também que três dos cinco Tribunais Regionais Federais agiram no mesmo sentido: os da 3ª (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 4ª (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) e 5ª (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Até 31 de janeiro, o banco contabilizava 39.269 ações, das quais havia vencido 18.363.
Além desses processos, dos quais 185 são coletivos, a Caixa também é alvo de ação apresentada pela Defensoria Pública da União, e que pede o reajuste para todos os que tenham tido saldo no FGTS a partir de 1999. Àquela época, o fundo tinha 65 milhões de contas. Hoje são 122 milhões.
O banco argumenta que, ao aplicar o FGTS, apenas cumpre a lei, e que qualquer reajuste nas contas dos trabalhadores terá de ser pago pelo próprio fundo, cujo financiamento vem de contribuições patronais. O banco lembra que, como os recursos são usados para financiar empréstimos imobiliários, sobretudo para as faixas mais baixas da população, os juros cobrados nos financiamentos poderiam dobrar se a TR for trocada pela inflação.
Perdas de até 101,3%
O uso da TR resultou em perdas acumuladas de até 101,3% desde 1999, e R$201 bilhões deixaram de ser depositados nas contas de cerca de 65 milhões de pessoas, segundo o Instituto FGTS-Fácil.
De acordo com cálculos da ONG, o rendimento dos saldos no Fundo de Garantia nos últimos 15 anos foi de 99,01%, ao passo que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como referência em questões trabalhistas pelo governo, acumulou variação de 157,12%.
Dentro dessa lógica, um trabalhador com carteira assinada que tinha em junho de 1999, por exemplo, R$ 20 mil na conta do FGTS, na verdade deveria ter hoje R$ 40.260.
Para a entidade, todo trabalhador admitido ou com saldo no fundo a partir de 10 de agosto de 1999 teve perdas.
Reportagem de Martha Imenes