Por leonardo.rocha

Rio - Mesmo diante de uma queda nas vendas registrada em 2013, o setor automotivo vem sendo cada vez mais alvo de queixas com relação a vícios e má qualidade de carros novos ou importados. É o que aponta o Ministério da Justiça, que reúne dados de todos os Procons do Brasil.

De acordo com levantamento feito para o iG, as queixas sobre a qualidade dos carros zero subiram 34,7% entre 2012 a 2013, de 2.681 para 4.100, enquanto reclamações relacionadas a veículos importados cresceram de 401 para 633, um aumento de 36,7%. Entre as queixas estão incluídas aquelas relacionadas a má qualidade de serviços.

Dados do Ministério da Justiça apontam alta de 34,7% nas reclamações referentes a veículos novos e 36,7% nas relacionadas a importados em 2013Divulgação


Nos três primeiros meses do ano, o movimento de reclamações continua. Até o final de março, foram registradas 1.207 reclamações relacionadas a carros zero, e 215 sobre veículos importados.

Desde 2009, as reclamações sobre má qualidade de carros zero cresceram 61% e, sobre importados, 80%. A indústria automotiva vendeu 3,5 milhões de veículos leves no Brasil em 2013, e 3,6 milhões em 2012, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

As reclamações com relação à garantia dos veículos novos e importados cresceram praticamente na mesma proporção das reclamações sobre a qualidade dos carros. Para solucionar conflitos, há quem recorra à esfera judicial para garantir os direitos e tentar minimizar possíveis prejuízos.

É o caso de Maria do Carmo Nascimento e Francisco Elias Nascimento, que vivem em São Paulo. Vanessa Gomes do Nascimento Ferreira, de 33 anos, é filha do casal e advogada. Ela decidiu entrar com uma ação judicial em fevereiro deste ano contra a Ford. A montadora e a concessionária se recusaram a pagar o reparo de uma pane na transmissão do modelo Eco Sport 2.0.

O problema surgiu cinco meses após a compra do veículo zero, em maio de 2013. Após revisão, a falha voltou a acontecer. Segundo os consumidores, na ocasião a Ford alegou mau uso do veículo aos consumidores. Procurada pelo iG, a empresa não comentou o assunto.

A família obteve há cerca de um mês liminar (decisão provisória da Justiça) favorável que dá 30 dias para a montadora reparar o veículo. A Ford entrou com recurso.

Além da troca do veículo ou devolução do dinheiro, a família também reclama o pagamento das despesas e pede uma indenização por danos morais, conta a filha do casal. "Hoje temos de pagar táxi e a guarda do carro, que está parado.Compramos um veículo zero justamente para não ter dor de cabeça", diz Vanessa.

Luiz Moan, presidente da Anfavea, afirma que os conflitos que vão para a esfera judicial geralmente apontam avaliações técnicas diferentes por parte de montadoras e consumidores. "A decisão judicial é respeitada integralmente", ressalta.

“Já caí do cavalo com carro usado. Pensei que não teria problemas com um carro zero" (Luiz Besson Junior, cirurgião-dentista)

O cirurgião-dentista Luiz Besson Junior, de 35 anos, comprou em 2013 um carro zero em Ourinhos, no interior de São Paulo. Pagou pelo Jetta, da Volkswagen, R$ 72,8 mil. Após quatro meses da compra, ele conta que começou a ouvir um barulho vindo da caixa de direção em curvas com velocidade acima de 45 km e também quando há trepidação.

Luiz diz ter uma sensação de insegurança, apesar de a concessionária apontar que não há problema de segurança. "A caixa de direção já foi trocada duas vezes, mas o problema voltou a acontecer". O dentista conta que a concessionária apontou que a fabricante iria procurá-lo caso verificasse problemas.

A loja se ofereceu para trocar o veículo, mas pede que o consumidor pague a diferença de preço, mas Luiz insiste na troca ou conserto. "Já caí bastante do cavalo com carro usado. Comprei um carro novo pensando que não iria mais ter problemas. Percorro 90 km por dia para ir e voltar do trabalho e preciso do carro".

A Volkswagen informa, em nota, que já solicitou à sua Central de Relacionamento com o Cliente que verifique a queixa para buscar uma solução para o caso.

Corte de custos e recalls

A indústria automobilística se defende ao apontar que vem aprimorando a identificação de irregularidades nos veículos. "Os serviços de atendimento ao cliente recebem as queixas de um lado e, de outro, são realizados testes contínuos de qualidade pelas montadoras. Caso seja detectado risco, é realizado um recall", aponta Luiz Moan, presidente da Anfavea.

Já foram realizados 28 recalls no País envolvendo modelos lançados em 2013 e neste ano, segundo dados do Ministério da Justiça. Moan vê o crescimento de recalls como positivo. "O processo é cada vez mais eficiente. As montadoras priorizam a fidelização dos clientes".

Sobre as reclamações, o presidente da Anfavea aponta que, entre elas, existem aquelas resultantes de mau uso do veículo, provocadas de forma mais frequente por uso de combustível adulterado e condições de pavimento das ruas.

O executivo ressalta que o programa Inovar-Auto, regime automotivo criado em janeiro de 2013 e que reduz impostos para empresas que fabricarem carros no Brasil, também incentiva pesquisas em tecnologia, o que contribui para o aprimoramento da qualidade dos veículos. Moan também afirma que mais marcas montam centros de engenharia no País.

Mais marcas e menos custos aumentam problemas

Diversas montadoras foram atraídas recentemente para o mercado brasileiro, e ampliaram o número de modelos comercializados no País.

Mas a atividade econômica de países da Europa e também nos Estados Unidos continua fraca, o que impulsiona projetos globais com foco em redução de custos.

Como consequência, novos lançamentos podem envolver um tempo menor de produção, o que pode criar problemas, aponta o consultor especializado no setor automobilístico, Leandro Mattera. "Também de olho em custos, montadoras produzem modelos mais simples em mercados emergentes como o Brasil. Falta preocupação com durabilidade e robustez do carro".

Moan afirma que os veículos comercializados no País passam por testes de acordo com a legislação norte-americana e europeia. "Temos o mesmo nível segurança. O que ocorre é que algumas empresas realizam estes testes com empresas independentes, que testam os veículos com outros critérios. Nossos associados buscam mais rigor com relação a isso".

A falta de estoque de peças no mercado nacional também pode provocar queixas com relação à qualidade de serviços. "A situação é mais alarmante quando se trata de carros importados", conta Mattera. Moan, porém, diz que o problema é pontual.

Mattera aponta que problemas em relação à qualidade podem ser mais recorrentes em marcas que produzem veículos de baixo custo. Empresas que montaram recentemente sua rede de concessionárias também podem encontrar mais dificuldades para qualificá-las para o pós-venda.

Consumidor tem direito a troca

Segundo a associação de consumidores Proteste, a troca de carro novo com defeito é garantida por lei se o reparo não for feito em 30 dias pela concessionária ou montadora, como determina o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ou se o problema persistir.

Em caso de negativa de troca da concessionária e da montadora, o consumidor pode ter de recorrer à Justiça para a substituição do veículo por outro novo – ou para a devolução do valor pago.

Há juízes e tribunais que determinam que a troca ou mesmo a devolução do valor do carro seja feita logo no início do processo. Nesses casos, é concedida antecipação de tutela ou liminar.

Existem ainda decisões judiciais que, embora não determinem a troca ou devolução imediata da valor, obrigam as montadoras a concederem aos consumidores o uso de um carro reserva durante a tramitação do processo.

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