Rio - Quando comprou um imóvel à vista, a bancária Marcia Borges, 58 anos, pensava em ter uma aposentadoria tranquila com o marido, curtindo a nova varanda do edifício Start Residencial, em Niterói. A administradora Elaine de Freitas, 41, sua futura vizinha, aproveitaria o verão com os amigos à beira da piscina. Hoje, em comum, as duas têm somente o estresse provocado pelo atraso de quatro anos nas obras do imóvel.
As histórias ilustram a via crucis de alguns compradores de imóveis na planta. Em 2013, a Secretaria Nacional do Consumidor recebeu 34.534 reclamações contra na área de habitação, sendo que 22% correspondem ao não cumprimento de contrato. Casos como estes são exceções entre os 116 lançamentos imobiliários do Município do Rio entre 2008 e 2014. Mas para quem caiu em uma cilada, a dor de cabeça parece ser interminável. GALERIA: Construtoras atrasam obras e prejudicam clientes
A bancária aposentada Márcia foi a primeira a se mudar para o Start, em março, em meio à finalização das obras. “Meu contrato de aluguel acabou e fui para a casa dos meus pais. Meu marido foi para uma pensão no Rio. Não tínhamos onde deixar os móveis, então colocamos dentro do apartamento inacabado”, conta ela, que cobra da construtora reparos na unidade.
Vários apartamentos do edifício estão inacabados, alguns lotados com entulhos. Na área de lazer, onde deveriam estar piscina, sala fitness e spa, está a mesa em que operários fazem refeições. Um buraco ocupa a área da hidromassagem.
Elaine, que comprou o imóvel em 2009, hoje está desempregada e espera o desfecho de seu caso. “Tentei negociar por dois anos, até que a construtora me mandou procurar a Justiça”, lembra ela, que move processo contra a Gercon. Segundo a empresa, inicialmente a obra seria tocada por três construtoras, mas uma delas deixou o empreendimento.
“O agente financeiro exigiu a elaboração de novo contrato de financiamento, que levou 16 meses, impactando significativamente no fluxo de caixa da obra e consequentemente em seu prazo de execução”, informou a Gercon. Roberto Kaufmann, presidente do Sinduscon-Rio, afirma que o aquecimento do setor de construção civil a partir de 2010 elevou o número de lançamentos e também o comportamento irresponsável de algumas empresas do setor.
“Muitas atuaram sem estrutura técnica adequada. As obras na planta precisam de agente financeiro, porque se depender dos recursos da empresa, fatalmente vai faltar dinheiro”, explica. Foi o que aconteceu com o residencial Parque dos Pássaros, imóvel da Construtora Mudar, em Campo Grande. Sem financiamento, a empresa paralisou as obras em 2012.
Quando compraram um apartamento no edifício, a comerciante Lívia Leite e o marido Wanderlei da Silva queriam um recanto para construir uma família. O contrato foi assinado em 2011, mas hoje o casal mora em pequena casa alugada no Terreirão, no Recreio, com móveis provisórios e sem previsão de ter a residência própria.
“Neste período, minha esposa engravidou e saímos da casa da mãe dela para morar de aluguel. Com o estresse, ela ficou nervosa e perdeu o bebê”, conta Silva. A Mudar alega que não conseguiu recursos com a Caixa, que costuma financiar imóveis destinados ao público de baixa renda. Enquanto a empresa não sabe de onde tirar o dinheiro, Lívia e Wanderley lamentam a má sorte. “A única coisa que mudou desde 2012 no terreno foi o mato que cresceu”, diz ela.
Antes da compra
Antes da compra, é recomendável que o cliente pesquise informações sobre a idoneidade da empresa. “Vale ir ao Procon e até em sites como o Reclame Aqui”, afirma o advogado Aldo Barcellos, da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação. Também é importante verificar se o empreendimento está registrado em cartório.
Ajuda da Justiça
Se a negociação chegar a um impasse, a única solução é acionar a Justiça. O mutuário lesado tem direito a receber por danos materiais e morais, como as despesas com aluguel. “As construtoras querem se safar de toda e qualquer responsabilidade, contando que o mutuário não vai acionar a Justiça”, afirma o advogado Arnon Velmovitsky, presidente da Comissão de Direito Imobiliário do Instituto de Advogados do Brasil.
Compra pensada
Não é prudente fechar negócio em um impulso. “As vezes a pessoa vai no estande de vendas e sai de lá encantada, querendo comprar logo”, afirma o advogado Aldo Barcellos. “O ideal é levar o contrato para um advogado analisar.” Outro fator importante é ver se há um agente financeiro na obra, para ter a segurança de que não vão faltar recursos para a conclusão.
Danos coletivos
Em caso de danos coletivos, o Ministério Público pode ser acionado. O órgão busca uma solução extrajudicial com a empresa, e, se não houver resultado, entra com uma ação. O promotor pode agir espontaneamente ou por meio de denúncias de consumidores, pelo telefone da Ouvidoria (1127) ou então pelo siteconsumidorvencedor.mp.br.