Por adriano.araujo

Rio - A crise hídrica pela qual o Brasil passa, com reflexos no abastecimento de energia elétrica, deixa clara a necessidade de continuar o processo de diversificação da matriz energética do país. Atualmente, as hidrelétricas representam 69% da produção, que só não passa por um racionamento semelhante ao de 2001 devido ao acionamento de usinas térmicas que complementam o sistema.

Para os especialistas em energia, é necessário garantir mais segurança para o fornecimento no longo prazo. Em um encontro da Academia Nacional de Engenharia promovido na sexta-feira na PUC-RJ, o diretor de Estudos em Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), José Carlos de Miranda, afirmou que os leilões promovidos pelo governo vão resultar em 485 usinas a serem implantadas até 2018. Entre as medidas defendidas por ele estão a ampliação do parque térmico, o uso de usinas movidas a carvão e a mudança na forma de indenização de áreas indígenas inundadas.

O DIA: Como o senhor avalia o cenário de energia no curto prazo?

MIRANDA: Estamos vivendo um problema que todos estão vendo, de uma grande seca no sistema por causa de um período em que choveu pouco. Isso é algo que pode acontecer sempre. Todos os grandes hidrólogos dizem que a maior seca ainda pode acontecer, assim como a maior cheia. O setor elétrico se preparou com a diversificação da matriz. Estamos passando por uma crise hidrológica. Não foi preciso cortar carga porque temos usinas térmicas, eólicas e de biomassa. Agora, uma coisa é a gente estar numa hidrelétrica, cuja água custa muito pouco. Outra coisa é comprar óleo diesel e gás natural. É claro que nessas situações a energia fica mais cara. Mas diferentemente de outros países, nossa energia é mais barata na maior parte do tempo.

José Carlos de Miranda%2C diretor de Estudos em Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)%2C defende diversificação da matriz energética do paísCarlos Humberto / STF

Há especialistas na área energética que dizem que o governo federal já deveria ter feito um alerta à população sobre os problemas que o setor enfrenta. O senhor concorda com essa posição?

O governo se reúne mensalmente no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) com os principais dirigentes da área, faz análises técnicas da situação e toma as medidas necessárias para manter o atendimento. Todo mês eles se reúnem e publicam uma nota dizendo qual é a situação futura. O ministério tem feito isso todo mês e também informado à imprensa.

Há necessidade de se ampliar o parque de usinas térmicas no país? Como estão as ações do governo nessa área?

No leilão do dia 28 de novembro, temos várias usinas cadastradas. Nesse leilão, a gente pode vir a contratar usinas térmicas a carvão no Sul, uma coisa que o operador reivindica para a segurança do sistema do Brasil, que é todo interligado, e para a Região Sul.

Vai depender do preço, mas as possibilidades de se contratar usinas a carvão no Sul são grandes. Também existem usinas térmicas a gás natural importado que estão habilitadas e poderão fazer lances. Essas unidades vão entrar em operação em 2019 e o sistema continuará sendo um dos que emite menos gás carbônico no mundo. Temos uma participação de fontes renováveis que representam mais de 83%.

As usinas de carvão costumam ser demonizadas por serem consideradas uma fonte de energia ‘suja’. No entanto, seu uso foi bastante defendido hoje. A implantação deste tipo de energia é inevitável?

Ter usinas térmicas a carvão é bom porque dá segurança ao sistema. É uma usina mais estável que pode modular na hora que as usinas hidrelétricas tiverem problemas de uma seca mais grave. A tecnologia que será usada será de baixa emissão e terá que cumprir a legislação ambiental brasileira, que é das mais rigorosas do mundo. Além disso, a Europa usa carvão. A Alemanha desligou suas usinas nucleares e está ligando usinas a carvão. Os Estados Unidos e a China também usam. É uma usina cuja geração é barata e boa do ponto de vista da segurança do sistema.

Há, no setor, muitas reclamações sobre os processos de licenciamento ambiental. O Hermes Chipp (diretor-geral do Operador Nacional do Sistema) afirmou que “todos os ônus estão caindo em cima do setor elétrico e que ninguém fala de órgãos como o Ibama e o Iphan”. Qual é a sua visão sobre o processo de licenciamento?

Eu diria que o processo de licenciamento ambiental as vezes é exagerado. Às vezes não são nem os órgãos do governo, são as ONGs e o Ministério Público que ficam exigindo certas coisas exageradas, que fazem com que a usina atrase e prejudicam o suprimento do sistema. Não queremos nada que não atenda a legislação. Agora, é um processo que tem que ter em conta a necessidade de atendimento do mercado brasileiro. O consumo de energia cresce, estamos correndo atrás e precisamos trabalhar em conjunto.

Uma reivindicação do ONS é a realização de leilões regionais (hoje em dia, competem projetos de todos os tipos de fonte e em todas as partes do país). O senhor concorda com a medida?

O leilão regional limita a contratação de usinas mais competitivas. A Região Norte é onde estão as usinas hidrelétricas. O Nordeste é onde estão as eólicas. A Região Centro-Oeste é onde está a biomassa de bagaço de cana. O gás natural vai estar na Região Sudeste. O carvão mineral existe no Sul. Quando você faz a competição de todas as regiões, os mais competitivos serão contratados, o que traz mais modicidade tarifária e segurança para o sistema.

Durante sua exposição, o senhor defendeu uma proposta de pagamento de royalties para índios cujas reservas são inundadas por usinas. Como funcionaria essa proposta?

No Canadá, quando se faz um projeto que inunda as terras indígenas, as comunidades têm direito a uma compensação financeira pela área. Aqui no Brasil se paga a compensação aos Estados e Municípios. Se eu tenho um reservatório que vai inundar, porque não fazer como é feito no Canadá?

Mas já existe alguma medida concreta? É uma proposta polêmica.

O que existem são discussões, estudos. Talvez não seja tão polêmico assim. Na minha opinião, os índios querem escolas, saúde, educação para os filhos, bem estar. Precisamos reservar uma área para eles, ter a terra indígena, preservar a cultura indígena, e isso talvez até melhore a condição de vida deles. A composição financeira. Certamente é um assunto que não é muito fácil, é polêmico. Há quem veja isso como um problema, mas se isso acontece em outros países como o Canadá, porque não pode ter no país?

Outra opção de energia para abastecer as térmicas seria pelo gás onshore (no território, e não no mar). Quais são as perspectivas do governo nesta área?

No ano passado a Ano passado a Agência Nacional de Petróleo fez um leilão de blocos para gás na região Norte Nordeste. Minha expectativa é que se descubra gás não associado ( gás que pode ser produzido desvinculadamente do petróleo) e que no futuro seja possível ter projetos de térmicas em cima dos poços de gás, como aconteceu na região do Maranhão. Agora há também uma experiência da Petrobras (nesse sentido) no Amazonas, onde estão desenvolvendo um projeto chamado Usina Azulão.

Você pode gostar