Rio - Eles não participaram das negociatas, nem meteram a mão em um centavo sequer da Petrobras e muito menos formaram cartéis para burlar as licitações. Mas, antes mesmo de políticos e empresários envolvidos no escândalo sentarem nos bancos dos réus, pelo menos 50 mil trabalhadores do Rio de Janeiro já foram condenados na Operação Lava Jato.
São os primeiros sentenciados numa história onde mocinhos e bandidos trocam de lado e os operários é que vivem atrás de grades invisíveis, presos ao desemprego, à redução bruta dos salários, ao fim do sonho de tocar o próprio negócio e assiste à queda de pequenas empresas, algumas com mais de meio século.
O Rio de Janeiro é o estado economicamente mais dependente da indústria de óleo e gás e o levantamento realizado junto às prefeituras das cidades ligadas à extração do petróleo e com obras da Petrobras expõe o tamanho da crise desde que empresários citados na Lava Jato foram para a cadeia: cidades pequenas e pacatas se transformaram em quase metrópoles e incharam o número da população com a constante oferta de empregos. Foram as primeiras atingidas pela suspensão de obras e patrocínios da estatal, somado à queda na arrecadação de royalties por causa do preço do barril de petróleo. Resultado: hoje tem um exército de mão de obra de braços cruzados.
A peça mais sensível neste efeito dominó está na mão de obra imigrante, que atraída pelos bons salários deixou o Nordeste e Minas Gerais para trabalhar na Petrobras e, longe da família, que sem emprego se transformou nos ciganos do petróleo. E tem como símbolo 20 baianos que há três anos desembarcaram no Comperj e ocuparam uma humilde vila de casas em Itaboraí, com a perspectiva de ficar até 2016.
A partir de dezembro, o eldorado negro ficou russo, e a redução de três mil postos de trabalho levou uma parte dos operários a fazer o caminho de casa. “O dinheiro foi acabando. O pessoal deixou tudo: TV, cama, armário. Não tinha gente para comprar e nem grana para levar”, detalha o montador João Hamilton Macedo, 37 anos, um dos últimos sete operários a continuar na vila, aonde só um continua empregado.
A persistência, até agora, só fez aumentar as dívidas. Amarga quatro meses de atraso no aluguel,
está com cartões bloqueados, luz cortada e, quase sempre, a comida só chega graças à solidariedade dos vizinhos. “É vergonhoso, mas há três meses praticamente vivo de favor. Até para comer”, conta o constrangido montador,. Ele foi obrigado a cortar até o dinheiro da pensão dos dois filhos, que ficaram em Camaçari (BA), e há dias que se mantém graças à dieta forçada de água e biscoito. Nem na pior seca nordestina enfrentou tantas vezes o prato vazio.
Não é falta de tentar. Todos os dias, Hamilton segue uma rotina de trabalho bem conhecida dos quase 12 mil desempregados de Itaboraí — segundo estimativa do Sindicato dos Montadores e da prefeitura: levanta cedo e percorre pelo menos três escritórios de empresas que ainda mantêm obra no Comperj para deixa o currículo. “Outro dia, uma abriu vaga para 20 montadores. Quando chegou a minha vez, já tinha acabado. É assim, preenche rápido. Tem muita gente parada aqui”, se resigna Hamílton. Os poucos empregos oferecidos viram troféus.
Com 35 mil candidatos a um emprego cadastrados entre janeiro e março e apenas 1.100 enviados à entrevista em empresas, o gerente do Sine-Itaboraí reconhece a dificuldade de encontrar trabalho nas indústrias e comércios da região. “Vivemos um momento difícil, mas acho que pode complicar daqui a dois meses”, antecipa Anderson Santana, baseado numa simples análise: é quando acaba o pouco dinheiro que ainda há no bolso dos operários, graças à sobra da indenização e do seguro-desemprego. Anderson lembra da dificuldade em preencher as vagas no auge dos empregos, em 2012. “Caçava empregados até nos cursos. Tirei caldereiro da sala de aula direto para o Comperj”, recorda.
Tempo dourado acompanhado pelo mecânico Alex Correia Reis, 35 anos, outro baiano que se aventurou pelo Rio no rastro da riqueza do petróleo. Trabalhou em estaleiros em Niterói por três anos até conseguir uma vaga na Construtora Alusa e entrar no Comperj. A gordura na conta bancária levou a família a planejar o terceiro filho. Agora, seria um carioca. O sonho do salário alto e da prosperidade se transformou em pesadelo em dezembro.
Atingida pela Operação Lava Jato, a empresa parou as obras e, no mês passado, pediu recuperação judicial. Deixou três mil trabalhadores sem empregos e sem pagamento. Pior: como oficialmente os operários não foram dispensados, o vínculo continua ativo e nem Alex ou nenhum outro funcionário consegue assinar novo contrato.
Para fazer dinheiro, vendeu geladeira, cama, ar-condionado e foi se desfazendo dos bens. Perdeu a casa por falta de pagamento e só não parou na rua devido à ajuda de um vizinho, que, sensibilizado com o nono mês de gestação de Jaqueline Mendonça Simão, 30 anos, deu abrigo temporário à família num quarto-sala, em Guaxindiba. A alimentação consegue com doações ou com os pingados biscates. “Ninguém tem dinheiro para pagar.
Troco trabalho por comida”, destaca o mecânico, preocupado com a interrupção do pré-natal da mulher e a indefinição do local do parto desde que perdeu o plano de saúde. “Acho que não vai precisar de cirurgia. Estava tudo indo bem, mas não sei se na hora vai ter vaga no hospital”, admite a tensão, amenizada com a doação do enxoval, feito com peças usadas. “É mais um menino”, alegra-se por instantes. A história da busca do eldorado negro também enfeitiçou o mineiro Márcio Neuri Rodrigues Santos, 26 anos. Não teve dúvidas de pegar mulher e a filha e desembarcar na rodoviária de Itaboraí com proposta de emprego na Construtora RG. “Estava tudo certo com um encarregado.
Ele fez contato e chamou, mas não encontrei ninguém.” Já era tarde. O período de vacas gordas
tinha passado e bateu com a cara na porta. Trabalhou por dois anos no Porto do Açu, mas acabou dispensado com o suspensão da obra. Sem opções, o destino lhe pregou uma peça: só encontrou emprego num lava jato.
O mesmo destino de outros dois jovens demitidos em dezembro e janeiro do Comperj. Washington Danilo da Silva e Alas Evangelista perderam o trabalho no Consórcio TUC e na Construtora Barbosa Melo e só conseguiram vaga no Lava-Jato do Buiu e Ducha do Zé. Aliás, Itaboraí pode ser considerada a capital fluminense dos lavas-a-jato. O Câmara dos Dirigentes Lojistas estima em 50 estabelecimentos legais — embora a maioria está na economia informal. Os jovens sentem a redução brusca dos salários. Nas empresas faturavam até R$ 2,3 mil, algo impossível de conseguir em cidade vizinha — principalmente no período que a redução empregos leva a contração dos vencimentos.
O sonho de uma vida melhor que encantou os trabalhadores de Itaboraí, também criou esperanças a poucos quilômetros dali, em Rio Bonito. Tão logo o Comperj começou a ser erguido, e pedreiros, que ganhavam R$ 80 por dia, quiseram trocar os modestos vencimentos pela perspectiva de ganhar R$ 3 mil. Na jornada de volta, além da decepção, os trabalhadores mantêm o sonho de um salário melhor. “Como a gente vai fazer? Eles querem ganhar a mesma coisa...”, lamenta o secretário de Fazenda Marcelo Soares, ao falar de um entre vários dos problemas enfrentados pela cidade.
É justamente a redução no poder aquisitivo a herança mais temida pelos soldadores Renato Silva Pereira, 48 anos, e Nicolas Gonçalves Pereira, 21. Pai e filho perderam o emprego com a suspensão das obras da Lusa e sabem que no mercado fora da Petrobras será impossível ver salários na casa dos R$ 10 mil e R$ 12 mil. No máximo, chegará a R$ 4 mil.
Participaram desta reportagem Caio Barbosa, João Antônio Barros, Leandro Resende, Luísa Brasil e Nonato Viegas