Por bferreira

Rio - A queda do preço do barril do petróleo e as denúncias de corrupção já haviam pintado um cenário desolador no final de janeiro, quando a ex-presidenta da Petrobras Graça Foster convocou entrevista coletiva. À imprensa, anunciou o “redimensionamento” da empresa. Trocando em miúdos, disse que a estatal investiria menos nos próximos anos. A notícia não repercutiu apenas entre os engravatados do mercado financeiro: em São João de Meriti, o menino Juan, de apenas 4 anos, ainda quer saber se o projeto esportivo do qual faz parte terá dinheiro para retomar as aulas da escolinha de futsal neste ano. Ele é um dos milhares de fluminenses que dependem da verba da petrolífera para participar de projetos sociais, culturais e esportivos, e que torcem, sobretudo, para a tesoura não passar nesta parte do orçamento.

Graças ao projeto%2C Ana Paula Carvalho aprendeu a fazer pães e salgados%2C e conseguiu abrir seu próprio negócio em São João de MeritiCarlos Moraes / Agência O Dia

Indo além dos números de barris de petróleo, o tamanho da Petrobras pode ser medido pelo peso de seus investimentos no Rio. Os números mostram que o valor total do apoio a projetos sociais, culturais e de esporte no Estado do Rio é 14% maior do que a soma do orçamento de quatro secretarias estaduais (Esporte e Lazer, Cultura, Assistência Social e Direitos Humanos e Trabalho e Renda). A estatal diz ter, hoje, R$ 255 milhões em 183 projetos, mais do que os R$ 221 milhões que as pastas dispõem do orçamento estadual para todo 2015. 

Se o número agregado mostra pujança e força, a realidade começa a desconstruir. Números da Agência Nacional de Cinema (Ancine) indicam que a produção cinematográfica conta cada vez menos com o apoio da Petrobras: em 2006, o investimento na área chegou a R$ 32,9 milhões. Em 2014, depois de sucessivas reduções, o valor não chegou a R$ 2 milhões. 

De Santa Teresa a Paquetá, passando pela Baixada e pela Maré, espaços como a Casa de Cultura fazem contas para se virar sem o dinheiro da estatal. Produtores de cinema e teatro argumentam serem eles os mais impactados pelo tal “redimensionamento”. Já outros comemoram o esforço que garantiu a manutenção de patrocínios, mas, efeito da crise, já procuraram alternativas. Finitos como o petróleo, os recursos de quem toca iniciativas nessas áreas estão escasseando. E a redução no volume de  investimentos, que ameaça o ritmo de obras como as do Comperj, em Itaboraí, já afeta a vida de quem jamais colocou as mãos em petróleo ou dinheiro sujo, mas que depende da empresa até para buscar um futuro melhor. Foi graças a um programa da Petrobras que a família de Ana Paula Carvalho, de 28 anos, deixou de ser uma das 26 mil beneficiárias do Bolsa Família em São João de Meriti. Os modestos R$ 147  que recebia para auxiliar na criação dos pequenos Juan e Ronaldo deram lugar a R$ 500 mensais com a venda de salgados e pães. Salto garantido graças a Casa de Cultura. “Muita gente me pergunta se ainda há o curso. Também querem mudar de realidade”.

Pés descalços ou coloridos por chuteiras surradas levam, na mesma Casa de Cultura, os sonhos de crianças que querem se tornar atletas no futuro. Eles fizeram parte do projeto Exercitando a Cidadania, financiado por um edital da Petrobras. Na nova seleção, o projeto acabou ficando de fora. Depois, Vinícius Ribeiro, coordenador do espaço, enviou um ofício para empresa, no fim do ano passado, solicitando patrocínio.

O e-mail sequer foi respondido: hoje, as mais de 500 crianças que eram atendidas no espaço, em aulas de futsal, balé, exibição de filmes e oficinas de leituras, estão, como diz Vinícius, “por aí”. “São João é uma cidade que não tem praticamente nada de cultura ou esporte. O projeto era referência para toda comunidade.” Sorte das crianças que, pelo menos uma vez por semana, o professor Ademilson José, o Kinho, reúne a meninada para algumas horas de futsal. De voz mansa, foge do estereótipo de treinadores de futebol tradicionais, e sabe divertir mesmo ao dar broncas. Muitos o chamamam de tio. “O projeto ainda não tem data para voltar neste ano. E os pais não param de me ligar, querendo saber quando têm aula... Tenho família para sustentar, faço meus bicos... Mas trago os meninos para cá por amor.” 

Interrupção no apoio à arte desmotiva

Os jovens que vão ao Centro Cultural Cartola, na Mangueira, reclamam do encerramento da Orquestra de Violinos , iniciativa patrocinada pela Petrobras. “Era uma surpresa para meus amigos saber que eu toco violino. O interesse de muitos aumentou e, quando foram procurar as aulas, não conseguiram mais”, lamenta Juliane Nascimento, 17 anos, que depois de aprender a tocar canções de Mozart, Beethoven e Cartola, tornou-se professora do projeto e subiu ao palco com a cantora Alcione. “Hoje, já não toco mais. Desmotiva um pouco, né?”, resigna-se a estudante. 

Nilcemar Nogueira, neta de Cartola e diretora do Centro, fala com saudade da Orquestra. “O projeto não era só para ocupação de tempo das crianças. Servia para que conhecessem a nossa história. A Petrobras tinha esse viés cultural importante para nós”, lamenta. A estatal não informou quais os projetos que não terão seus patrocínios renovados, fato que causa apreensão entre os que têm seu equilíbrio financeiro dependente dela. As dificuldades financeiras atrasam a renovação e colocam em risco até o desempenho do Brasil nas Olimpíadas em 2016: a Confederação Brasileira de Taekwondo, por exemplo, ainda negocia novo contrato. 

José Lavrador, que está à frente da Casa das Artes de Paquetá, usa o dinheiro que conseguiu via edital para ensinar a crianças carentes a história da ilha, com música e dança. “Recentemente os repasses atrasaram, mas estamos juntos há mais de 10 anos. Mas quem trabalha com projetos sociais precisa da força das pessoas. Se acabar, vamos ficar no vermelho, mas daremos um jeito.” 

Faltou apoio para que a sede da Escola Portátil de Música (EPM) deixasse a Urca em direção a uma bela casa na Rua da Carioca: a mobília do espaço, promessa da estatal, não chegou. “De 2005 para cá , o patrocínio tem sofrido cortes assustadores a cada ano. Mas não podemos prescindir da Petrobras, que assumiu o lugar do Ministério da Cultura: sem ela, não teríamos crescido e nos espalhado pelo Rio”, opina Luciana Rabello, coordenadora da EPM e presidenta do Instituto Casa do Choro. Ela e tantos outros pelo Rio parafreseiam a letra de Baden Powell. “Sem a Petrobras, não somos ninguém.”

Participaram desta reportagem Caio Barbosa, João Antônio Barros, Leandro Resende, Luísa Brasil e Nonato Viegas

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