Rio - O tempo fechou para os trabalhadores na quarta-feira, quando 324 deputados federais deram seus votos a favor do Projeto de Lei 4.330, que amplia a possibilidade de terceirização no país. Antiga demanda dos empresários, a subcontratação vai permitir que as empresas flexibilizem os contratos de trabalho de sua mão de obra, substituindo um custo fixo por outro variável, que pode ser redimensionado de acordo com a necessidade das companhias.
Na teoria, funciona. Mas o que a experiência brasileira mostra é que se a dinamização da produção corta um custo financeiro de um lado, ela eleva um custo humano do outro. Além de receber salários mais baixos, outro problema que os terceirizados enfrentam é a dificuldade de exigir seus direitos quando a terceirizada não cumpre com suas obrigações legais.
“As empresas somem, desaparecem e os empregados ficam a ver navios. Muitas vezes, os mesmos empresários criam uma nova empresa depois, por meio de um laranja, e continuam operando”, afirma Paulo Schmidt, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Ele diz que este tipo de calote é a principal causa das demandas de terceirização na Justiça do Trabalho. A situação ocorre devido à triangulação que se forma na terceirização: um faxineiro, por exemplo, trabalha em uma escola, mas seu verdadeiro patrão é uma empresa que fica situada em outro local. Como ela não produz nada, não costuma ter um endereço acessível e tampouco um patrimônio que possa garantir o pagamento de verbas devidas aos empregados.
“São empresas que não têm capital de reserva para pagar indenizações quando dá algum problema”, afirma Almir Aguiar, presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.
Hoje, há cerca de 16 mil processos tramitando no Tribunal Superior do Trabalho (TST) envolvendo a terceirização. Este número é apenas a ponta de um iceberg, já que representa somente aquelas ações que chegam ao último grau de recurso.
Uma auxiliar de limpeza que trabalha para uma prestadora de serviços da União no Rio, que não quis se identificar, conta as dificuldades que tem passado com os “patrões invisíveis”. Com salários e tíquete-alimentação atrasados, os trabalhadores não conseguem contato os donos da empresa. “Quando eles vão contratar, abrem o escritório em determinados dias da semana para a inscrição. Depois, se a gente quer falar sobre este tipo de problema, não permitem nossa entrada”, afirma.
A auxiliar conta que, antes de ser terceirizada, já trabalhou como empregada direta em um hotel, onde tinha melhores condições. “Mas hoje 99% contratam dessa forma”, diz.
HÁ EMENDAS QUE TENTAM LIMITAR SUBCONTRATAÇÃO
Na próxima terça-feira, o Congresso vai apreciar as emendas do PL 4.330. Elas são sugestões votadas separadamente que podem modificar o conteúdo do projeto principal.
Até agora, foram 72 propostas de emendas, que versam sobre os pontos polêmicos do projeto. Deputados do PT e do PC do B tentam limitar as possibilidades de subcontratação de mão de obra.
Já o deputado Paulinho da Força (SD-SP), ligado à Força Sindical, negocia a inclusão de emendas que permitam que os empregados terceirizados sejam representados pelos mesmos sindicatos dos trabalhadores das empresas contratantes, quando eles exercerem a mesma atividade econômica.
Há deputados que sugerem que as normas sejam aplicáveis também à administração pública direta, ou seja, a todos os órgãos da União, estados e municípios. O deputado Domingos Neto (Pros-CE), afirma que esta medida resultaria em uma “administração mais ágil, eficiente e menos burocrática”.
Outro ponto polêmico do projeto é sobre a responsabilidade das empresas. O texto-basse aprovado na Câmara define que empresas contratantes das terceirizadas possuem responsabilidade subsidiária, ou seja, só podem ser acionadas judicialmente se a prestadora de serviços não arcar com seus compromissos.
Há emendas que tentam transformar esta responsabilidade em solidária. Desta forma, se houver falha na garantia de direitos o trabalhador poderá acionar as duas empresas na Justiça e ambas serão responsáveis por garantir os direitos.
Segundo o deputado Rubens Bueno (PPS-PR), autor de um dos destaques neste sentido, a medida “institui uma cultura de maior responsabilização dos gestores com relação àqueles que, de fato, fazem o trabalho da empresa”.
A FAVOR: MAIOR SEGURANÇA JURÍDICA
GISELA GADELHA, gerente Jurídica do Sistema Firjan
1. Para as empresas, qual é a importância de se abolir os conceitos de atividade-fim e atividade-meio?
— O fim da distinção possibilitará maior segurança jurídica às partes, uma vez que não havia definição legal do que seria cada um deles. Isso possibilitará uma ampliação das atividades terceirizadas, o que vem ocorrendo em outros países, assegurando maior competitividade e eficiência para a indústria.
2. A classe empresarial defende o projeto com base no critério da “especialidade”. Na prática, o que isso significa?
— Significa que não poderão ser contratadas empresas com escopo genérico, aquelas que fazem tudo e oferecem seus serviços às contratantes como mera intermediação de mão de obra.
3. Várias empresas terceirizadoras pedem falência sem pagar verbas trabalhistas aos funcionários. Há algum mecanismo na lei que minimiza esta insegurança?
— Sim. O Projeto de Lei 4.330 prevê expressamente o dever de fiscalização do contratante e o torna responsável subsidiário pelo pagamento dos encargos trabalhistas e previdenciários no caso de inadimplência da contratada, podendo tal responsabilidade se tornar solidária no caso de ausência de fiscalização.
4. Há exemplos de atividades cuja terceirização era vedada e será liberada?
— Hoje, uma indústria de produtos alimentícios não pode terceirizar nenhuma etapa de seu processo produtivo. Se o projeto for aprovado, poderá terceirizar “a execução de parcela de qualquer de suas atividades”.
CONTRA: MUDANÇA RADICAL DOS DIREITOS
PAULO SCHMIDT, PRESIDENTE DA ANAMATRA
1. Quais são as principais demandas de terceirizados na Justiça?
— A principal é de empresas terceirizadas que simplesmente desaparecem. Nas companhias permanentes, não é tão comum que elas fiquem sem patrimônio. O grande gargalo na execução dos processos é no setor das terceirizadas, o famoso “ganha, mas não leva”.
2. O setor empresarial defende que a terceirização permite uma maior especialização nas funções.
— Ao longo dos anos, a Anamatra sempre contestou este argumento dos empresários. Uma pesquisa da Federação Única dos Petroleiros (FUP) constatou que 98% das empresas terceirizam para reduzir custos e apenas 2% buscam a especialização.
3. Vocês juízes se surpreenderam com uma mudança tão profunda sendo votada tão rapidamente?
— Jamais se imaginou que pudesse haver uma reforma tão drástica, sendo que nunca ninguém sequer defendeu isso em uma campanha eleitoral. A gente vê a discussão sobre atualizar a CLT, mas nada tão radical quanto foi feito agora. E isso é resultado da desarticulação da base do governo.
4. Há pessoas que temem o aumento da “pejotização” (contratação por meio de pessoa jurídica). Há esse risco mesmo?
— Na verdade, não é a mesma coisa. A ‘pejotização’ transforma o empregado em uma empresa individual. A terceirização é uma intermediação, em que uma empresa formalmente contrata outra para fornecer mão de obra. O governo negociou uma emenda para evitar mais “PJs”, mas ele estava pensando mais arrecadação de tributos.