Rio - Um contingente de 12 milhões de brasileiros, número maior que toda a população da Bolívia: esse é o universo da terceirização no Brasil. Um regime que atinge, principalmente, trabalhadores da base da pirâmide social do país e que está em vias de se ampliar, caso o PL 4.330, em tramitação no Congresso, seja aprovado.
A proposta é apoiada pelos empresários, que reclamam dos altos custos e da insegurança jurídica para se contratar no Brasil. Sindicalistas e entidades ligadas ao Direito do Trabalho são contra a medida. Alegam que a proposta abre a porteira para a precarização do trabalho.
Os significados da palavra “precarização” são sentidos na rotina de categorias que já foram parcial ou totalmente terceirizadas no país nos últimos anos. Exemplos não faltam. “Para quem trabalha off-shore, já começa com uma divisão descarada na escala. Funcionários da Petrobras têm uma semana a mais de folga a cada embarque.
Quanto aos salários, um estudo do Dieese mostra que os terceirizados ganham menos. A gente convive com essas pessoas, pelo próprio padrão de vida não há dúvida de que o terceirizado ganha menos”, afirma Teseu Bezerra, diretor de comunicação do Sindipetro do Norte Fluminense, que representa os petroleiros.
As discrepâncias também passam pelos benefícios recebidos. “Um empregado de operadora tem vale-refeição de R$ 27,50, enquanto quem presta serviço na rede recebe R$ 15. Na parte de teleatendimento, tem empresas em que o vale é de R$ 5”, conta Amilton Barros, diretor do Sinttel-Rio, que representa trabalhadores da área de telecomunicação.
Ele também diz que é mais difícil conseguir reajustes para estas categorias. “A terceirizada sempre alega que as tomadoras não reajustam os contratos. Tem empresas no setor que estão há quatro anos sem reajustar”, diz. Mas a maior dificuldade do universo da terceirização é o modo impessoal como os trabalhadores são tratados. Muitas vezes, ocorre dificuldade em descobrir quem é o patrão, devido à rotatividade entre as empresas.
O técnico de telefonia Cláudio da Silva Macedo, 45 anos, passou por quatro empresas diferentes desde que começou a prestar serviços para a Oi. “A empresa faz contratos de um ou dois anos com as terceirizadas. Quando o contrato está no fim, você fica naquela agonia, se você vai ir para outra empresa, se vão te jogar pra Maricá, Cabo Frio”, afirma.
No ano passado, ele começou a ter problemas na coluna, após não suportar o peso de uma escada. Alegando queda na produtividade, a Telemont, que presta serviços para a Oi, o demitiu em dezembro. A homologação da demissão ainda não foi feita. “Até hoje não consegui o seguro desemprego. Eles disseram que iam mandar um telegrama para a minha casa, mas ele não chegou e não consigo ligar no RH da empresa”, lamenta o trabalhador.
Na Uerj, funcionários estão sem receber desde dezembro do ano passado
A situação de instabilidade atingiu o auge para funcionários que prestam serviços para a Uerj. Há empregados da terceirizada Navele que não recebem desde dezembro do ano passado. Com medo de serem demitidos, os subcontratados da universidade estadual passam por momentos de desespero e falta de perspectiva.
H., que não quis ser identificado com medo de ser demitido, tem cinco filhos e deveria estar pagando pensão alimentícia para dois, mas com o salário atrasado, está com medo de ser preso. Ele diz que conta apenas com a compreensão da ex-esposa. “Minha filha caçula fez nove anos esta semana e estou magoado porque não tive condições de visitá-la em Minas Gerais, onde mora atualmente, muito menos de enviar um presente”, lamenta.
Ao longo da entrevista, H. recebeu uma ligação do Bradesco, um dos bancos a que o terceirizado recorreu para um empréstimo. “Além do Bradesco, peguei empréstimos no Banco do Brasil e na Caixa Econômica para tentar pagar as contar de cartão de crédito, transporte e alimentação diários”, enumera.
Um de seus colegas, R. teve que sair de sua casa na Baixada Fluminense e está morando de favor na casa da ex-mulher, no Andaraí, para economizar as despesas com o transporte. “Há uma semana venho sentindo dores nas pernas e acredito ser da longa caminhada que faço todos os dias para ir ao trabalho e voltar pra casa”. R. diz que mesmo sem receber é obrigado a comparecer todos os dias na Uerj.
“Se deixar de registrar a biometria, corro o risco de ser demitido, como fizeram com outros colegas recentemente”, denuncia. Questionada sobre a falta de pagamentos, a Secretaria Estadual da Fazenda informou que o caixa do estado está numa situação “extremamente difícil” e que “todos os esforços estão sendo canalizados para que o estado fique adimplente com todos os seus fornecedores”.
Contra calote, empregado aciona Justiça do Trabalho
Na maioria das vezes, trabalhar como subcontratado não é uma opção, mas sim uma imposição do mercado. É o caso dos vigilantes, setor que foi quase 100% terceirizado nos últimos anos.
Um dos maiores problemas é com empresas que dão calote em seus funcionários.
O vigilante Rildo Ferreira, 43 anos, viveu esta situação no ano passado. Após prestar serviços como terceirizado para o Banco do Brasil por sete anos, a Protex, onde ele trabalhava, fechou. As verbas da demissão não foram pagas e Rildo está lutando na Justiça para receber. “Fiquei sete anos na empresa e na hora que eu mais precisei eles não pagaram. Só quero o que é meu de direito. Ganhar meu sustento, dar uma vida melhor para minha família e um estudo melhor para meus filhos”, diz.
No novo trabalho, um novo dissabor. Rildo hoje presta serviço para a Prol na área de saúde. Em março, ele saiu de férias e até hoje não recebeu o valor do benefício. “Se não fosse um aluguel que recebo da casa do meu pai, hoje iria estar passando fome”, afirma.
Segundo procuradora do Trabalho Carina Bicalho, representante no RJ da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, essas situações são corriqueiras na subcontratação. “É muito comum você ouvir dos terceirizados que o sonho deles é ser efetivado”, afirma Carina, que é radicalmente contra o PL 4.330. “Esse projeto é um retrocesso de 20 anos em todo o histórico de jurisprudência que foi contruído. Os argumentos de quem o defende são muito frágeis”.
Há empresas sem receber por seis meses - 5 minutos com José de Alencar, presidente do Seac
O presidente do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Rio de Janeiro (Seac-RJ) afirma que a terceirização traz cidadania para os mais carentes e defende mudanças promovidas pelo PL 4.330.
1. Há terceirizados do estado que estão sem receber. De quem é a culpa afinal?
— Temos sorte, porque o governador veio a público falar que nos deve milhões. Se a gente fosse falar que estava com problema, diriam que a culpa é da terceirização. Há empresas que estão há mais de seis meses sem receber e empresários quebrando, vendendo seus apartamentos.
2. Mas nada pode ser feito contra o poder público nestes casos?
— Existe uma legislação que diz que após 90 dias, a empresa pode suspender o serviço por falta de pagamento. Mas as empresas preferem ficar lá, na expectativa de receber para não perder o contrato. Isso não é culpa da terceirização.
3. E o PL traz avanços nesta questão?
— O PL diz que a retenção de má-fé dos pagamentos devidos pela contratante à contratada será considerada apropriação indébita.
4. Os profissionais que atuam na Justiça Trabalhista apontam que há muitos problemas de calote nas terceirizações. Porque acontece tanto no setor?
— Desvio de conduta acontece em qualquer atividade do ser humano, por isso que você precisa ter uma lei. O projeto cria um marco legal para milhões de trabalhadores e para milhares de empresas. Nosso setor recruta, treina mão de obra, dá carteira de trabalho, salários, alimentação. As pessoas passam a ter uma cidadania. A legislação é boa, ela vai regularizar uma situação que já existe. Temos empresas terceirizadas há mais de 80 anos.