Por bferreira

Rio - Criado há dois anos com o objetivo de baratear os juros para os bons pagadores, o Cadastro Positivo ainda não pegou no Brasil. O banco de dados foi regulamentado como política pública em agosto de 2013 com a proposta de fornecer o histórico de crédito dos consumidores cadastrados para instituições financeiras e varejistas. Na época, a promessa era de que as pessoas com ficha limpa na praça poderiam conseguir taxas de juros mais atrativas em diversas modalidades de financiamento, pois elas ofereceriam menos risco para os credores. Na composição dos juros, o risco de inadimplência tem peso que varia entre 25% e 30% da taxa aplicada na concessão do crédito.

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Na teoria, o cadastro seria um alívio para quem é bom pagador. Mas na prática, as empresas que ofertam dinheiro ainda não fazem uso dos dados, de forma que o brasileiro se mantém refém de juros galopantes. Na quarta-feira, o Banco Central promoveu uma nova rodada de alta na Selic, que chegou a 14,25% ao ano, pressionando as taxas de produtos como o cartão de crédito, o cheque especial e o empréstimo pessoal.

Desde 2013, o cadastro atraiu cerca de 2 milhões de adesões. O número é considerado baixo diante da população economicamente ativa do Brasil, que gira em torno de 102 milhões de pessoas. Os motivos apontados para a lentidão variam. Para as duas empresas gestoras do cadastro, a Serasa Experian e a Boa Vista SCPC, o maior entrave está na necessidade de autorização do consumidor para integrar o cadastro. Na visão das gestoras, o Brasil deveria ter adotado o modelo usado em outros países, em que a inclusão no cadastro é automática e o participante pede para sair, se assim desejar.

“Desde a edição da lei que determinou que a operação fosse condicionada à autorização do cadastrado, a gente entendia que isso seria uma grande barreira para que o cadastro se ampliasse rapidamente”, afirma Dirceu Gardel, diretor-jurídico da Boa Vistas Serviços SCPC.

Para ele, o desconhecimento sobre o banco de dados dificulta a captação de consumidores. “As pessoas têm um grande receio de que os outros vejam informações da conta corrente delas, do Imposto de Renda. Mas o que é visto é somente o histórico de crédito”, explica.

Fernanda Monnerat, gerente de cadastro positivo da Serasa Experian, também bate na tecla do desconhecimento. “É um processo novo, as pessoas não têm conhecimento. E temos um problema de educação financeira”, diz. Ela afirma que a maior penetração das captações da Serasa está na classe C. “Esta fatia entrou para o mercado de consumo na última década, passou por um momento de frenesi e agora está vendo as consequências. Ela está com um grande apetite para aprender a melhorar sua situação”, avalia.

Para Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), a conjuntura econômica também explica a estagnação do Cadastro Positivo, pois os bancos estão freando o ritmo dos empréstimos.

“O cadastro só funciona no ambiente da economia boa. Num ambiente recessivo, de alta de juros e com a renda das famílias comprometida, há uma falta de interesse das instituições. A partir do momento que o país voltar a crescer, os bancos vão passar a ter mais interesse na ferramenta”, avalia.

Histórico de crédito ajuda na hora da concessão

Apesar da demora na captação de clientes, os gestores do cadastro positivo prevêem o sucesso da política dentro de alguns anos. Eles acreditam que futuramente o banco de dados terá informações mais completas e encorpadas, atraindo mais interesse das instituições financeiras.

Segundo Fernanda Monnetar, a ferramenta também tem o potencial de promover a inclusão no sistema de crédito. “Podemos pensar em novas formas de concessão de crédito. Há trabalhadores autônomos que não têm comprovação de renda. O cadastro é uma forma de mostrar que ele tem poder financeiro, mesmo sem ter um contracheque”, diz.

O funcionamento do cadastro viria a calhar no momento atual. Segundo a Anefac, os juros do cartão de crédito chegaram a 12,54% ao mês em junho, o que representa 312,75%% ao ano. De acordo com a sondagem mensal da associação, as seis modalidades de crédito pesquisadas sofreram aumentos.

Depois do cartão, a maior taxa é a do cheque especial, que cobra juros de 10,01% ao mês (214% ao ano). As mais baixas foram encontradas no financiamento de veículos, a uma média de 2,1% ao mês.

Consumidor desconfia de segurança dos dados

Além do desconhecimento sobre o cadastro positivo, a desconfiança sobre a segurança das informações também dificulta o progresso das adesões. “A questão da privacidade ainda nos preocupa, pois não sabemos como é feito o compartilhamento de informações”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste.

Segundo Fernanda Monnerat, da Serasa, a empresa é certificada pelo ISO 27001, uma norma internacional de segurança da informação. “A gente optou por essa certificação para passar confiança em relação aos dados do consumidores”, afirma.

Segundo Dirceu Gardel, da Boa Vista, os gestores do cadastro também tomam precauções para que as empresas que fornecem crédito não usem os dados de forma abusiva, fazendo propagandas indiscriminadas.

“A lei impede a venda da informação em blocos. Um banco, ou uma empresa de telefonia, não pode nos pedir informações sobre todos os moradores de São Paulo, por exemplo. A partir do momento em que a empresa tem ou quer ter um relacionamento com o cliente, ela me passa o CPF para eu disponibilizar a informação”, explica.

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