Por thiago.antunes

Rio - Era junho de 1989. Em meio à onda de protestos na China, a foto de um estudante solitário enfrentando uma fileira de tanques do Exército, próximo à Praça da Paz Celestial, corre mundo e mostra a ousadia de um jovem que luta por liberdade e democracia. Vinte e quatro anos depois, a imagem ganha releitura carioca. O cenário é a Cinelândia e a protagonista, uma professora da rede pública. A barreira que parece intransponível é formada por 18 policiais militares. Sozinha, Lenita Oliveira, 52 anos, grita com eles. A foto que rendeu um dia de fama para a professora foi feita pelo repórter fotográfico Fábio Motta, da Agência Estado. Ela conta que, depois da publicação, recebeu muitos telefonemas de parabéns.

Jovem solitário enfrenta tanques do Exército chinês perto da Praça da Paz Celestial em 1989Reprodução
No Rio%2C a professora Lenita desafia PMs%3A ‘Vai bater em professor%3F Posso ser professora do seu filho’Fabio Motta / Estadão Conteúdo / Agência O Dia

“Eu estava protestando junto com a minha classe. Houve uma confusão, mas ela já havia acabado. Quando olhei para trás, vi um policial erguendo um cassetete para agredir um professor. Não pensei duas vezes, fui para cima deles e berrei: ‘Vai bater em professor? É isso mesmo, covardes? Bate em mim! Mas não esquece que eu posso ser professora do seu filho’. Me senti aliviada, contou Lenita.

Os últimos dias têm sido inesquecíveis para a professora. Mas a ficha só caiu após ver a foto dela na capa do DIA e, em seguida, no Facebook, com referências à histórica imagem do Massacre da Praça da Paz Celestial. “Meu filho me perguntou o que era aquilo e eu contei toda a história. Acho que ele ficou orgulhoso”, disse.

Moradora de Realengo, Lenita não é filiada a partido político, nem ao Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe). Só tem duas paixões na vida, além da família: a Educação e o Fluminense. “Não sou ligada a ninguém, nem tenho cargo nenhum. Só sonho com educação de qualidade”, diz Lenita, que dá aula na Escola Municipal Afonso Henrique Saldanha, pertinho de casa. "Ele diz que não tem dinheiro para os professores, mas diz que pagaria o preço que fosse para o Woody Allen filmar no Rio. Ele tá de sacanagem", desabafa.

Na página de Lenita Oliveira no Facebook%2C a imagem principal mostra professores na Câmara dos VereadoresReprodução


Fã de Paulo Freire e crítica feroz de Paes e Costin

A paixão pela educação e a militância política fazem parte da vida de Lenita desde a juventude. Ela conta que na faculdade pôs o nome no abaixo-assinado para a criação do PT. Foi às históricas passeatas pelas Diretas, contra o Collor e em comícios de Lula e Brizola.

"Mas não sou fã deles. Simpatizava com o antigo PT, o que existia. Mas não simpatizo mais. Também simpatizei com o Psol, mas hoje sou desconfiada. Acho que deveríamos aproveitar esse momento histórico para fazer uma limpa nas próximas eleições. Tirar todo mundo. Não sei se é a solução, mas se faz necessário", prega.

Professora Lenita OliveiraReprodução

Admiradora do educador comunista Paulo Freire, já falecido, Lenita é crítica ferrenha do prefeito Eduardo Paes e da secretária de Educação, Claudia Costin.

"Freire já dizia que é muito ingenuidade a gente achar que a classe dominante vai querer um dia que a classe dominada seja esclarecida. Querem robotizar nossos alunos, transformar as escolas em depósitos de crianças. Não sabem o que é uma sala de aula, um lugar de transformação", emocionou-se.

Black Blocs dividem a professora

Destemida a ponto de enfrentar um tropa com a cara limpa e sem pedras na mão, Lenita ainda não tem uma opinião formada acerca dos black bocs, grupo sem ideologia que ficou conhecido por enfrentar a polícia e depredar patrimônio público.

"A depredação é desnecessária e só atrapalha a nossa manifestação. Não ajuda em nada. E professor não faz isso. Mas eles foram importantes a partir de sábado, socorrendo e protegendo a gente, pois a polícia nos trata como se fôssemos a quadrilha mais perigosa da cidade"

A crítica maior, no entanto, é ao prefeito Eduardo Paes. E Lenita faz um apelo à sociedade para comprar a briga dos professores.

"O povo não pode acreditar que ele diz. É tudo mentira. Nem a Comissão de Educação da Câmara dos Vereadores ele aceitou receber. Nunca pegou a proposta do sindicato para analisar. Faltou bom senso e boa vontade a ele. A sociedade não pode achar que somos mercenários. Isso é uma covardia que ele está fazendo", completou.

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