Rio - O estudante Bruno Ferreira, 25 anos, morador de Caxias, saiu de casa na tarde de segunda-feira para protestar contra o que ele considera descaso com a educação e saúde pública por parte do governo estadual. Menos de 24 horas depois, estava sendo transferido para Bangu II acusado de portar 20 coquetéis molotov tentar matar um PM com uma destas bombas incendiárias.
Agredido por policiais na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, chegou a levar choques elétricos no peito mesmo estando desmaiado. Foi algemado e jogado dentro de um camburão ainda sem entender muito bem o porquê daquilo tudo.
"Disseram que eu havia jogado um coquetel molotov neles e eu fui obrigado a rir, ainda que de nervoso, mas rir. Não fazia o menor sentido. Eu nem vi nenhum coquetel molotov", disse Bruno, filho da dona de casa Maria de Lourdes e de Amauri, que curiosamente ganha a vida vendendo fardas para policiais e bombeiros. "Sempre lidei com policiais, nunca iria jogar molotov em ninguém. Minha luta é por educação", completou.
O estudante, que filmava a manifestação, acabou salvo por desconhecidos que faziam o mesmo. Nos muitos vídeos que caíam instantaneamente na rede, Bruno em momento nenhum aparecia com mochila ou molotovs, apenas apanhando e levando choques de policiais. Um deles surgiu com um coquetel acusando o estudante, mas logo sumiu. E com ele o coquetel que serviria para incriminar Bruno.
De posse de tantas provas, advogados da Comissão de Direitos Humanos da OAB conseguiram no início desta tarde o habeas corpus que possibilitou sua liberdade. "Eu me mantive tranquilo. Não sou mascarado, não tenho passagem pela polícia, minha índole todos conhecem na UERJ e nada tenho a esconder. Sabia que uma hora a verdade viria à tona", disse Bruno.
Família em pânico
A tranquilidade do jovem ao sair do presídio às 16h foi um alívio para parentes e amigos que passaram a noite na porta da 9ª DP (Catete) desesperados. No fim da manhã, Bruno foi fazer exame de corpo delito no IML e, de lá, acabou transferido para Bangu II. Na saída do Instituto Médico Legal, porém, recebeu a boa notícia: o habeas corpus estava a caminho.
Mas as três horas em frente ao Complexo Penitenciário de Gericinó pareciam uma eternidade para os famliares e amigos de Bruno, entre os quais professores da UERJ. Sem notícias do estudante, sem contato com os advogados, todos temiam pelo pior. A comparação com o Caso Amarildo, pedreiro da Rocinha que desapareceu na semana passada após ser retirado de casa por policiais, era inevitável.
"Quem foi preso mas era branco e morava na Zona Sul, acabou solto no colo de papai e mamãe. Por ser preto e morar na Baixada, virou bucha. E não ia pagar fiança porque fiança é para quem tem culpa. Não iríamos deixar R$ 1 mil para a polícia assim, de graça. Meu irmão não é bicho para levar choque elétrico no coração, nem para ficar preso injustamente", esbravejava Luciana Ferreira, sua irmã mais velha.
Bem tratado na DP e presídio
Às 16h, porém, a agonia chegou ao fim. Bruno cruzou o portão de saída do presídio direto para os braços da mãe, a quem tranquilizou contando das últimas horas longe dos pais.
"Fui muito bem tratado na delegacia. Compraram pizza, refrigerante e passamos a noite falando sobre política. No presídio, primeiro olharam na minha cara e perguntaram se eu havia jogado coquetel no policial. Quando disse que não e eles viram que eu falava a verdade, dava para ver nos olhos deles que estavam do meu lado, do lado do povo. Foi muito legal por esse lado", contou.
O susto não tirou a coragem das ruas. Bruno vai esperar a poeira baixar para decidir se poderá voltar ou não às manifestações.
"Dei sorte. Se não fossem os vídeos, estaria lascado. Mas tenho que ver com os advogados. Se a lei não me impedir, já que estou sendo processado, não irei. Não desrespeito leis. Mas se permitir, vou com mais garra ainda. E ainda levarei a família", prometeu o jovem, que deverá processar o Estado por tudo o que passou nas 24 horas mais assustadoras de sua vida.
Polícia Militar e OAB trocam acusações nas redes sociais
A Polícia Militar e a Ordem dos Advogados do Brasil trocaram acusações pela internet sobre suas atuações nos conflitos das ruas do Rio. Pelo Twitter oficial, durante os protestos de segunda, a PM informou: “membros da OAB/RJ prejudicando o trabalho da Polícia Militar”.
Os advogados defenderam, na delegacia, os manifestantes presos, incluindo os dois membros da rede Mídia Ninja, detidos ao transmitir os confrontos ao vivo pela internet.
Também no microblog, a instituição rebateu. “A OAB/RJ repudia mensagens provocativas publicadas pela PMERJ em seu Twitter. Os advogados da Ordem agem para garantir o cumprimento da lei”.
Em nota, a Ordem acrescentou que “está presente aos protestos de rua desde o início de junho, sempre com o objetivo de evitar arbitrariedades”. O fotógrafo da Agência France-Presse, Yasuyoshi Chiba, disse que foi agredido por um policial com cacetete quando registrava os confrontos de segunda.
Manifestação no Palácio Guanabara terminou em tumulto
Terminou em confusão entre ativistas e policiais militares do Batalhão de Choque (BPChq) o protesto que reuniu mais de mil pessoas no Palácio Guanabara, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, na noite desta segunda-feira. O tumulto teve início após dois helicópteros deixarem o local, quando manifestantes se posicionaram em frente as grades de proteção. Os PMs atiraram balas de borracha em direção a dois ativistas que balançaram as grades, supostamente tentando derrubá-las.
Alguns deles reagiram imediatamente com coquetéis molotov, o que motivou a reação da PM, que atirou a esmo com bombas de efeito moral. Carros do Choque também entraram pela Pinheiro Machado e perseguiram os ativistas, que já estavam dispersados. Um manifestante foi atingido e, quando estava caído, levou choque de outro PM que passava na via. Algumas pessoas tentaram ajudá-lo, mas ele acabou sendo levado pelos policiais.
Segundo a PM, alguns presentes tentaram depredar a vidraça das Lojas Americanas. Manifestantes que entraram dentro da loja de departamentos, na Rua das Laranjeiras, foram encurralados pelos homens do Choque, que jogaram bombas de gás lacrimogênio no local, onde crianças e senhoras estavam.
Um fotógrafo da Francepress foi atingido no rosto e atendido por médicos e voluntários. Os PMs continuaram atirando com balas de borracha e bombas de gás nas vias do entorno. Um outro manifestante acabou atingido.
O farmacêutico Rafael Caruso foi ferido com tiro de pistola 9mm na panturrilha esquerda. Ele foi levado pro Hospital Universitário Gafréé e Guinlé, na Tijuca e, posteriormente, para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. A PM negou a informação e afirma que a bala que atingiu Rafael era de borracha.
De acordo com a Polícia Militar, um soldado do BPChq foi atingido por um coquetel molotov nas proximidades do Palácio Guanabara, por volta das 20h. A PM reagiu com jatos d'água e bombas de efeito moral. Cinco pessoas foram detidas. Um repórter da Midia Ninja por desacato, um manifestante preso com 20 bombas caseiras, outros dois com coquetéis molotov e outro acusado de atirar pedras contra policiais. Os detidos foram levados para a 9ª DP (Catete). O policial ferido ficou queimado no peito e foi socorrido para o hospital da corporação, no Estácio.
O MetrôRio informou que o acesso Catete da Estação Largo do Machado foi fechado. Representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estiveram no local.