Por nara.boechat

Rio - Oproblema começa na sala de aula, mas, quando sai do controle, leva muita criança a procurar as salas de operação. Para se livrarem de apelidos e constrangimentos, vítimas do bullying recorrem a clínicas de cirurgia plástica para corrigir as imperfeições que são alvo de chacota. Especialistas alertam, porém, que a prática pode não ser suficiente para pôr fim às gozações.

Os procedimentos mais recorrentes entre crianças e adolescentes são correção de orelha em abano, redução de mama devido à ginecomastia (em meninos) e plástica no nariz. O reparo na orelha pode ser feito a partir dos 7 anos. Para as outras cirurgias, é preciso ter, pelo menos, 15 anos, pois o septo nasal e as glândulas mamárias ainda não estão completamente desenvolvidos antes disso.

O cirurgião José Carlos Pereira Pinto lembra que a maior parte dos apelidos tem relação com orelha e nariz. Segundo ele, depois da cirurgia, a autoestima e o rendimento escolar da vítima do bullying melhoram e ela deixa de se isolar. “O bullying faz com que a criança seja retraída e não aproveite a vida. A cirurgia plástica promove quase uma mudança de personalidade”, declara.

Procedimento considerado mais simples e mais popular, a correção de orelha em abano dura 40 minutos e é feita com anestesia local e sedação, em caso de crianças mais agitadas. O paciente recebe alta no mesmo dia. O pós-operatório inclui o uso de um capacete especial para proteger a área e, posteriormente, de uma faixa para fixar a orelha na nova posição.

Já os resultados da plástica no nariz aparecem apenas de seis meses a um ano após o procedimento. Isso porque a ‘memória da pele’ impede que ela assuma a nova forma do órgão imediatamente.

Cirurgia procurada mais por rapazes com ginecomastia, a redução dos seios é feita, normalmente, entre 15 e 17 anos. A remoção das glândulas mamárias dura uma hora, a cicatriz é pequena e os pontos são retirados em uma semana.

De acordo com o cirurgião Edmar Fontoura, devido ao pós-operatório, a procura pelas cirurgias é maior no período de férias escolares. Do total de pacientes que procuram a clínica, 30% têm menos de 18 anos. “Muitas vezes, o desejo da criança em operar está ligado à entrada dela na escola.”

Das cerca de cem cirurgias plásticas realizadas por ano na Santa Casa de Misericórdia, entre 10% e 15% são em adolescentes. Cirurgião da unidade, Rodrigo Mangaravite alerta que nem todos os casos são cirúrgicos e que cabe ao médico avaliar o que incomoda o paciente. “Precisamos conversar para saber a origem do problema. No geral, a vontade de mudar é tanta que eles não reclamam da cirurgia”, conta.

É preciso mudança de atitude

Para Luciene Tognetta, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, da Unicamp, as cirurgias plásticas podem não ser solução para o bullying. Segundo ela, não basta a correção física. É preciso que a vítima deixe de se enxergar como frágil e menor do que os agressores. “Vencer o problema não significa vencê-lo materialmente, mas psicologicamente. A pessoa poderá ser vítima de bullying por outros aspectos não visíveis, como a timidez ou a própria inteligência”, alerta.

Além dos aspectos físicos, podem ser objeto de bullying questões psicológicas e socioeconômicas. Segundo ela, a criança precisa do apoio da escola para vencer o problema.

VIVA VOZ: Alexandre Maia, estudante, 15 anos

“Nasci com orelha em abano e muitos colegas pegavam no meu pé por causa disso. Era muito chato ouvir gozação. Minha mãe deu a ideia de operar e, esse ano, resolvi aproveitar as férias da escola para corrigir as orelhas e operei no dia 1º de fevereiro. O resultado foi exatamente o que eu queria e minhas orelhas estão mais perto da cabeça agora. O legal é que ninguém nunca mais implicou comigo. A cirurgia foi muito tranquila. Na verdade, o que mais doeu foi a anestesia. O chato foi ter que dormir um mês com a barriga para cima, mas valeu a pena.”

Você pode gostar