Por bianca.lobianco

Uruguai - Logo depois de aprovada a legalização da maconha, ano passado, o então presidente do Uruguai, José Mujica, foi entrevistado na televisão por uma jovem repórter chilena que lhe perguntou: “Agora eu vou poder conseguir maconha?”. O chefe de Estado, de 79 anos, olhando para a bela jornalista com um sorriso maroto, respondeu: “Você com certeza vai conseguir”. Mas era brincadeira. A nova lei regulamenta, dentro de limites restritos, o plantio e a compra de Cannabis Sativa exclusivamente para os residentes no país.

Já são muitos os que incorporaram o hábito de fumar maconha livremente no Uruguai. Jovens e não tão jovens, em família, em grupos ou mesmo sozinhos, fuma-se tranquilamente pelas ruas, parques, praias ou dentro de casa, e não há repressão ou qualquer tipo de discriminação aparente. Em casa pode-se plantar até seis pés de maconha por morador. É possível também participar de clubes de plantio com até 45 sócios e o limite de 99 pés da planta.

Joaquin cultiva quatro pés de maconha em sua casa%2C na capitalMarcos Pinto

As vendas em farmácia – seja para uso medicinal ou recreativo – ainda aguardam a regulamentação da lei, porque existe certa resistência dos donos das lojas, que temem ser assaltados por traficantes à procura da droga. De acordo com a lei, cada consumidor será inscrito num registro nacional com o número de sua carteira de identidade e terá direito a adquirir quantidade limitada da droga por mês.

Já a indústria, que fará o plantio para fornecer maconha para todo o país, também está estudando e testando como colocar em prática essa complexa operação agrícola e sua delicada distribuição. As autoridades, no entanto, não mostram qualquer pressa. A cautela é a atitude mais evidente em todo o processo.

A maioria dos uruguaios (64%) é contra a liberação da maconha, enquanto 17% dos jovens fazem uso, sem qualquer conflito ou incidentes.

Viajei durante 10 dias entre Montevidéu e Santa Teresa, quase na fronteira com o Chuí, no extremo Sul do Brasil, e as pessoas usam maconha publicamente com a mesma tranquilidade com que tomam bebidas alcoólicas e a naturalidade de quem fuma um cigarro de tabaco, que, como no Brasil, também é proibido em espaços fechados. É importante ressaltar que o tráfico de drogas é reprimido. Enquanto estive no Uruguai pelo menos duas quadrilhas foram desarticuladas e presas. A legalização quer justamente banir o tráfico e fazer do uso social e medicinal algo permitido, porém controlado pelo Estado.

Em Punta Del Este, cidade mais turística e moderna do Uruguai, fuma-se com a mesma tranquilidade. Por lá, fotografei dois amigos passeando no píer, próximo ao mercado de peixes. “Aqui se pode fumar a vontade”, disse um.

O atual presidente, Tabaré Vázquez , é um prestigioso oncologista, grande inimigo do tabagismo e, aparentemente, contrário ao uso da maconha. Do mesmo partido de Mujica, ele mantém a direção do processo da legalização.

No Parque Rodó%2C na capital%2C o marido usa maconha enquanto a mulher e a pequena filha brincamMarcos Pinto

Usuários podem plantar em casa ou em clubes

Pela nova lei, residentes do país poderão registrar-se como consumidores de maconha, apresentando carteira de identidade uruguaia, que os habilitará para adquirir até 40 gramas por mês nas farmácias. Esta disposição ainda não está em funcionamento apesar de a lei estar vigente, por faltar um decreto que regule sua aplicação.

Cada habitante uruguaio pode cultivar em casa até seis plantas fêmeas de Cannabis sativa (que produz a flor com o princípio ativo, o tetra-hidro-cannabiol, THC). As plantas macho só servem para gerar sementes. Nesse caso, só é controlada a quantidade de plantas, mas o registro é obrigatório. Alternativamente, as pessoas podem formar clubes de plantio, com até 45 sócios e máximo de 99 pés, distribuídos internamente após colheita.

Já foram registrados 15 clubes e cerca de dois mil cultivadores privados. Previsão otimista calcula que a venda nas farmácias passe a vigorar antes do final de 2015, mas com o ritmo lento de todo o processo pode ficar pra 2016, 2017... tudo com calma, muita calma.

É preciso registro para cultivar

Estive na casa do estudante de paisagismo Joaquín Teixidor, 22 anos, morador do Centro de Montevidéu. Ele atualmente cultiva quatro pés de Cannabis Sativa em seu quintal. Essa quantidade lhe fornece maconha para cerca de 8 meses. A plantação de Joaquín está quase no ponto para colheita. O passo seguinte é esperar as folhas secarem e enfim poder fumar. Para ser autorizado a plantar é preciso se registrar no IRCCA – Instituto de Regulación y Control del Cannabis. A quantidade de plantas pode ser aferida pelo órgão em visitas. Responsabilidade e naturalidade parecem traçar todo o processo tanto do lado dos usuários quanto do Estado.

Reportagem de Marcos Pinto, Especial para O Dia, direto do Uruguai 

Você pode gostar