Consumo de Rivotril dispara, mas especialistas alertam para perigos
Mais de 23 milhões de caixas do medicamento controlado foram vendidas em 2015. 'Existe um limite entre o que é doença e as reações do ser humano', garante psiquiatra
Por clarissa.sardenberg
Rio – Não é segredo para ninguém que o brasileiro consome medicamentos de forma indiscriminada, mas o número assusta quando nos deparamos com 23,470 milhões de caixas de clonazepam, princípio ativo do Rivotril, vendidas em 2015. Apelidado de "pílula da felicidade", o Rivotril ficou tão popular como “calmante” que é praticamente impossível encontrar quem não tenha ouvido falar dele. Especialistas garantem que há muita gente fazendo uso do fármaco sem necessidade nem prescrição médica, e alertam para dependência química e perda de memória pelo consumo prolongado.
"O nome Rivotril é muito popular. Muitas vezes ele não tem uma indicação precisa. Há muito uso dessa forma. Desses 23 milhões, a maior parte foi assim", analisa a psiquiatra Maria Francisca Mauro. O medicamento controlado é o segundo mais consumido no Brasil e o clonazepam pode ser encontrado em farmácias a preços que variam entre R$ 2,49 e R$ 19.
Vale lembrar que em 2010, o número de caixas vendidas do medicamento de venda controlada não passava de 10,59 milhões, segundo o IMS Health, que reúne os dados de comercialização das indústrias.
A popularização dos ansiolíticos — drogas usadas para diminuir a ansiedade e tensão — tem tudo a ver com a inabilidade que as pessoas vêm tendo de lidar com emoções comuns do dia a dia. "As pessoas passam a incorporar diagnósticos à sua rotina. Muita gente diz que tem transtorno do pânico e não tem. Existe um limite entre o que é doença e as reações do ser humano", garantiu a especialista.
O uso de clonazepam é crescente em ambientes em que se trabalhe sob pressão, como é o caso de executivos, por exemplo. "É um trabalho que gera muita ansiedade. Ninguém fala muito sobre isso porque não quer contar", disse a empresária B.D., de 30 anos. Ela começou a usar a medicação por causa da ansiedade e stress do cotidiano, com acompanhamento médico, por cerca de um ano e meio e depois disso para "inibir crises da síndrome do pânico".
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"Me senti super bem. Foi positivo", explicou B.D.. Segundo ela, porém, "é uma besteira" tomar a medicação sem prescrição médica. "É um medicamento que torna a pessoa dependente. É controlado e não é à toa”, disse, acrescentando que "muito mais gente do que se imagina usa a medicação", afirmou.
Sobre a ansiedade, a psicanalista Olívia Porcaro explica: “O ser humano sente ansiedade diante de diversas situações. O problema é que as pessoas hoje em dia estão com dificuldades de processamento emocional e têm usado os ansiolíticos como um tampão. Ao invés de processarem o sofrimento, aliviam a dor com a medicação”.
“Existe o grau de ansiedade incapacitante, que afeta relações sociais, familiares, sono, trabalho e outros”, analisou a psicanalista. O tratamento da ansiedade “normal” pode ser feito de formas que não recorram ao uso de remédios, o método psicoterapêutico é uma delas, a atividade física é outra muito popular e até mesmo a alimentação pode influenciar. Na terapia, Olívia afirma que o indivíduo vai ficando “incrementado” para enfrentar a ansiedade do cotidiano.
E como funciona o Rivotril?
A classe de medicamentos à qual o Rivotril pertence (benzodiazepínicos) é usada para tratar transtornos de ansiedade generalizados, como episódios de pânico e fobias. De acordo com a psiquiatra, o uso correto do medicamento é em "situações de transição", em que se inicia o tratamento, acompanhado ou não por outro remédio, para depois interromper seu uso, dando continuidade com outro. Caso usado corretamente, o clonazepam (princípio ativo do Rivotril) aplaca os sintomas iniciais.
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“É um medicamento seguro. Tem amplo uso e segurança nas doses prescritas, que são adaptadas para peso e idade", afirmou. "Mas tem que ser utilizado de forma criteriosa para evitar dependência", reiterou Maria Francisca.
Dependência química
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O Rivotril é um medicamento de suporte que não deve ser usado por muito tempo, pois causa dependência. "Para obter o mesmo efeito, a pessoa aumenta a quantidade utilizada", explicou Maria Francisca. O uso prolongado do fármaco pode afetar a capacidade cognitiva do indivíduo, causando perda de memória e até mesmo de algumas funções motoras. "A habilidade de reflexo de alguém que usou o Rivotril não é a mesma de alguém que nunca fez uso", afirmou a psiquiatra.
Ao contrário do que muitos pensam, o Rivotril não é recomendado para tratamento de depressão e pode manter ou intensificar os sintomas. Segundo a especialista, isso ocorre independente da idade do paciente, muito jovens reclamam de queda no rendimento do trabalho e na rotina por exemplo.
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Para saber se está na hora de procurar ajuda e não cair no erro da automedicação, a pessoa deve avaliar a intensidade do que está sentindo, segundo a psiquiatra. "A pessoa deve analisar se o que está passando está prejudicando seus relacionamentos, o rendimento no trabalho, se está tendo um prejuízo na vida dela", avaliou, ressaltando a importância do diagnóstico médico apurado.