Rio - Tendência moderna de planejamento urbano no mundo, o conceito de Desenvolvimento Orientado ao Transporte (TOD, na sigla em inglês) começa a chegar ao Rio de Janeiro. O projeto piloto vem sendo traçado para revitalizar o bairro de Bonsucesso, na Zona Norte, quando o BRT Transbrasil for implementado, em 2016.
A proposta está em análise nas secretarias municipais de Urbanismo, de Transportes e de Obras, e foi apresentada pela ONG Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento (ITDP). A ideia vai desencadear total transformação do bairro, dentro do conceito TOD, que prevê um lugar mais amigável a pedestres, ciclistas e usuários do transporte público, além de promover o uso misto do solo, com empreendimentos comerciais, industriais e residenciais, e o adensamento demográfico, para evitar o espraiamento da cidade.
“Não dá mais para se pensar transporte, moradia e emprego de forma dissociada. No conceito TOD, a gente nem considera aprovar um empreendimento fora de um raio de um quilômetro do transporte público”, explica Clarisse Linke, diretora do ITDP no Brasil.
Entre as propostas iniciais do ITDP está a alteração do local da estação do BRT, cujo traçado seguirá a Avenida Brasil. A ideia é movê-la para o eixo da Avenida Paris, proporcionando ligação entre a estação de trem da Supervia, o Teleférico do Alemão, o Complexo da Maré e o campus da UFRJ.
Inicialmente, o futuro corredor Transbrasil previa estação próxima ao Hospital Geral de Bonsucesso, que, segundo o estudo, não é na área de maior concentração habitacional. Outra recomendação é redesenhar as avenidas Paris e Guilherme Maxwell, que serão os eixos do bairro, com ciclovias, áreas arborizadas e alargamento de calçadas.
Clarisse explica que a proximidade da Zona Portuária, que vem recebendo grandes investimentos, e o fato de receber a estação do projeto do Transbrasil foram os motivos para a escolha do bairro como projeto piloto. “É uma área também que deve ser de uso misto, que, historicamente, era industrial e tem muitos galpões vazios”.
?Antes e depois: Veja trecho da Avenida Brasil sem e com a estação Bonsucesso do BRT
Sucesso da UPP da Maré é fundamental
Autor de um extenso estudo sobre a economia da região de Bonsucesso, o professor da UFRJ Mauro Osório sustenta que o desenvolvimento do bairro estará subordinado, em parte, ao sucesso da pacificação das comunidades do Alemão e da Maré.
“Bonsucesso tem o Complexo do Alemão de um lado e o da Maré do outro. O êxito das UPPs e a transformação dessas favelas em bairros serão propulsores de um possível avanço dos aspectos socioeconômicos de Bonsucesso”, disse Osório, especialista em planejamento urbano. O professor adverte que o poder público precisa investir para melhorar os índices sociais do subúrbio carioca, notadamente a região administrativa de Ramos, na Zona Norte, à qual pertence Bonsucesso.
É fundamental para o Rio de Janeiro que a qualidade de vida avance em bairros do subúrbio, e não apenas onde estão os formadores de opinião. Muitas áreas sofrem com décadas de degradação. Qualquer urbanista hoje considera que a cidade deve se expandir para as áreas mais carentes, e não para o Recreio dos Bandeirantes”, afirmou Mauro, que participou dos debates do ITDP, que resultaram na proposta entregue à prefeitura.
Bonsucesso, por exemplo, pode se adensar, em termos demográficos, com a construção de prédios de quatro ou cinco andares. Há espaço para isso. E ainda tem a particularidade de estar perto do Centro”, completou o professor.
?‘Não dá para construir habitação social em áreas onde não há nem cidade’
O processo de ocupação do Rio em direção à Zona Oeste, nas últimas décadas, é criticado pela diretora do ITDP no Brasil, Clarisse Linke, que vê na revitalização da Zona Norte uma saída para os problemas de mobilidade urbana. “O Rio deu as costas por muito tempo para a Zona Norte, que é a área mais consolidada da cidade. As pessoas estão indo embora de Bonsucesso. Não dá para construir habitação social em algumas áreas da Zona Oeste, onde não há nem cidade, e deixar a Zona Norte se esvaziar”, avalia.
Para justificar a opinião, Clarisse cita que a AP-5 (área de planejamento que inclui Santa Cruz, Campo Grande e Guaratiba) tem 27% das moradias e só 8% dos postos de trabalho. Já a AP-1 (parte da Zona Norte, do Centro e Zona Portuária ) tem 4% das residências e 38% dos empregos.
A especialista do ITDP elogia o projeto de lei da prefeitura com novas regras urbanísticas para os bairros cortados pelo BRT Transcarioca. Segundo ela, o texto é uma ótima notícia e usa alguns conceitos TOD. Entretanto, para a área de Bonsucesso, a ideia é ir mais adiante, com intervenções urbanas diretas para revitalizar a região, ao invés de só induzir os investidores com as regras urbanísticas.
A Secretaria Municipal de Obras, que marcou a licitação das intervenções de construção do primeiro trecho do BRT Transbrasil para 4 de setembro, informou que a alteração do local da estação Bonsucesso ainda será avaliada durante o detalhamento do projeto executivo. O órgão diz que avalia as sugestões do ITDP junto com a Secretaria de Transportes. A Secretaria Municipal de Urbanismo informou que está produzindo um estudo sobre Bonsucesso, visando ao desenvolvimento da região da Grande Leopoldina.
Plano Diretor de São Paulo é elogiado
O novo Plano Diretor da Cidade de São Paulo foi elogiado pelos especialistas que participaram do seminário Transporte e Planejamento Urbano para Cidades Melhores, no Rio de Janeiro. O pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Renato Balbim ressaltou que os benefícios das novas normas paulistanas sobre o uso do solo, com incentivo ao transporte público, serão vistos daqui a alguns anos.
Balbim acrescenta que os princípios do conceito TOD devem estar nos planos diretores e de mobilidade de todas as cidades com mais de 20 mil habitantes. “Estamos em um momento histórico de ruptura com um modelo de desenvolvimento urbano, escolhido há 50 anos, e que privilegiou o pneu e deu nas cidades que temos”, afirmou.
Clarisse, do ITDP, acrescentou que está desenvolvendo instrumentos para que órgãos que financiem as habitações populares, como a Caixa Econômica, também utilizem critérios TOD para aprovar os projetos urbanos.