Rio - Nasci na turma da 3 de maio, o nome da rua onde passei minha infância. Éramos liderados pela Glaucia, uma garota fofoqueira e briguenta, que nos ensinava a beijar de língua sem babar. Eu não sentia nada, aquilo era beijo técnico, como hoje deve ser os dos atores de televisão. Molecada festiva e sonhadora, porque o futuro era muito lá na frente.
No final da adolescência, entrei para a faculdade, 16 anos, e aí eu era da turma da Psicologia. Um bando de descabelados que falava de Freud e Marx sem parar. O futuro era agora, então, e tratávamos de descobrir sexo, bebidas, e eu me interessava particularmente pelas artes. Ficávamos pelas escadarias dos teatros de Belém, vivíamos pelas madrugadas, sem rumo, bichos-soltos meio que nos sentindo a continuação dos hippies.
Quando cheguei na Rodoviária Novo Rio, e peguei o ônibus para alugar uma vaga em Copacabana, tempos depois entrei para a turma do Chico Recarey, trabalhando para ele no Scala, na Circus, na Zoom. Foi um início deslumbrante porque vi a noite da Lapa no Asa Branca, onde eu podia assistir aos shows de graça. Nestes tempos, me sentia no olho do furacão, duríssimo, mas com acesso a informação, a mais valiosa das coisas.
No começo dos anos 90, minha turma passou a ser a do Carnaval, porque fiz o concurso da Beija-Flor, e Anisio e Fabíola me colocaram para empreender Margaret Mee, a Dama das Bromélias. Trabalhei, trabalhei e, no ano 2000, cansado de tudo, me retirei da vida para ir descansar na praia, em ano sabático. Foi quando entrei para turma da Barra de Guaratiba, com seu cheiro de mar e pescadores. Comprei uma casa defronte da restinga, e como tudo tinha passado rápido demais, dali olhei para trás e entendi a intensidade do que tinha sido viver até os 40. Me lembro das tardes chapadas, admirando pelo janelão o pôr do sol, ouvindo os tiros dos canhões que estremeciam as vidraças, vindos do treinamento da Marinha, cujo quartel ali está instalado. “Tiros na Marambaia!”, repetia eu para minha alma, passando em revista a tropa de personagens que tinha marcado minha existência.
Depois, fiz Mestrado e Doutorado e minha turma era a da UFRJ Letras. Intelectuais adoráveis e com sólidas personalidades. Fred Gois e Ana Alencar são inesquecíveis. Hoje, aos 51, me pergunto de qual turma sou, e por estar casado há anos e ter um círculo de amigos fiéis, acabo concluindo que sou da turma do Eduardo, Celia, Denise, Canázio, Marcelo. Mas arrasto comigo todos os fantasmas que salpicaram minha existência de diversidade e emoção. Se a vida é batalha, cada lembrança querida é um tiro de canhão que explode de minha memória, tendo como alvo certeiro o coração.
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