Rio - Se não convivêssemos pacificamente com as prisões para averiguação, o pedreiro Amarildo não teria tido seu direito constitucional de ir e vir violado, não teria sido morto e não teriam desaparecido com seu corpo.
O estado natural do ser humano é a liberdade. A cultura jurídica produziu a possibilidade de excepcionar este estado em duas situações: flagrante delito e ordem judicial. Inexiste no Direito brasileiro terceira possibilidade de cerceamento do direito de ir e vir. O major que comanda a UPP da Rocinha, e que em data recente se manifestou sobre decisão judicial que concedera habeas corpus a pessoas presas ilegalmente, tem o dever de saber disto e de transmitir aos seus comandados.
Prisão para averiguação, condução para delegacia para fins de avaliação pelo delegado ou outra desculpa que torne alguém sujeito à arbitrariedade policial é violação ao direito da pessoa humana. Por se tratar de cerceamento ao direito de ir e vir, é ilegalidade e há de ensejar a responsabilidade do agente.
Salvo diante de voz de prisão, com as formalidades determinadas na Constituição, uma pessoa não é obrigada a sujeitar-se a ordem de permanecer à disposição de agentes de segurança, aguardando procedimentos.
O crime de desobediência se traduz em desatendimento a ordem legal de agente público e o de resistência se traduz na oposição à execução de ato legal, com emprego de violência ou ameaça. Se a ordem ou o ato a ser executado são ilegais não há crime.
A prisão para averiguação nada mais é que o sequestro praticado pela polícia. E somente a Lei do Abuso de Autoridade, editada no início do regime empresarial-militar que sufocou as liberdades por 21 anos neste país, atribui nome diverso de sequestro a tal conduta.
O caso Amarildo não é o primeiro. Em 2008 a chinesa Ye Goue saía de uma casa de câmbio com dólares. O táxi que a transportava foi interceptado por policiais que disseram que a levaria para a delegacia para averiguação. Seu corpo jamais apareceu. Nem os dólares.
Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia