Rio - Graças à excrescência do voto secreto, biombo erguido para ocultar toda sorte de bizarria no Parlamento, a comparsaria da Câmara dos Deputados manteve o mandato de Natan Donadon, corrupto condenado em última instância pelo Supremo Tribunal Federal e preso. Ontem sobraram explicações, soluços, compunção e lamentações. Fingimento sórdido. Suas excelências deram na noite de quarta-feira prova inequívoca de que voltaram a desprezar a opinião pública — e não se completaram cem dias do auge do levante popular que chegou a assustar a politicalha. Tão logo o barulho das ruas diminuiu, Brasília se viu livre para retomar seu hobby: a escarnificação diante do povo.
Que os eleitores não acreditem nas desculpas rotas que certamente virão. Está claro que a manutenção do mandato de um ladrão não foi obra de descuido, de um inocente ‘deixa que eu deixo’. Faltou, além de vergonha na cara, empenho em prol da ética e do respeito. Escancara-se, no episódio, a velha e velhaca política do compadrio, do ‘toma lá dá cá’ — o que exige, a partir de agora, ferrenha vigilância da sociedade. Afinal, o extenuante julgamento do Mensalão se aproxima do desfecho. Quem garante que a sorte de Donadon não será a mesma dos condenados do megaescândalo? Mais: não estariam interligados o ‘alívio’ ao parlamentar-detento e possível ‘arranjo’ para os réus do STF no Congresso?
As autoridades do Legislativo falam em acelerar os trâmites para acabar com o voto secreto — ou ao menos reduzir suas criminosas aplicações. Insistir no anonimato para decisões importantes é transformar um Poder em um valhacouto.