Por tamyres.matos

Rio - Meu parceiro Aldir Blanc completa amanhã, 2 de setembro, 67 anos. O privilégio de conviver com esse gênio da música brasileira me trouxe a ilusão de, com o pé nas costas, escrever essa crônica de domingo. Nada disso. Estou travado.

Moramos no mesmo prédio da Tijuca por 23 anos. As conversas diárias, músicas terminadas na escada de serviço, versos que vi nascer da janela do quarto andar pro radinho de pilha em Manaus. Toda essa energia me algemou as mãos feito um mergulho de cabeça.

Entre várias histórias sobre o samba “Saudades da Guanabara”, com outro fenômeno, Paulo Cesar Pinheiro, perto de nós, Aldir repara na cortina desfiada da minha antiga casa e: — Pode trocar esse pano velho porque fizemos um clássico!

E sai abrindo a letra, soberano, “que o meu peito é uma lona armada”... Das músicas feitas, umas cem no barato, guardo um baú de memórias vividas aos pés da criação.
Fizemos “Coração do Agreste”, gravada pela Fafá de Belém, e ouvimos a rua com seus azuis das TVs iluminar a canção no capítulo final da novela Tieta.

Outros temas também deram vida nesses folhetins, como “Mico Preto”, gravada por Gilberto Gil na abertura da novela homônima. Mas o orgulho de todo esse enredo está no dia a dia. Uma vez abrimos um champanhe pro taxista que trouxe um amigo do aeroporto sem inventar caminho:
— Você merece!

Outro achado, descobrimos um carvão que não fazia fumaça e, com o auxílio do craque Mello Menezes, improvisamos um churrasco com camarões no meio do seu apartamento, o bunker blanquiano. O cheiro da brasa perdurou por dois anos, e escapamos pro pouco de uma intervenção da Defesa Civil.

Um tsunami de recordações. Com o Aldir, me tornei amigo do Jaguar e do Lan. Consegui ser parceiro do Paulo Emílio e próximo do Luiz Fernando Veríssimo, todos a partir do seu olhar agregador. Tudo que eu vivi.

Meu mentor carioca, entendi, com o seu mapa pessoal, a conhecer a cidade “da gangue do Escadinha ao seu bacana”, cantar que “há quem não se importe, mas a Zona Norte é feito cigana” até morrer no “Leme, as ondas começam nas calçadas”.

Posso comparar a uma vírgula, no livro que um dia vou escrever, o que rabisquei aqui, nesse quadrado de lembranças e experiência. Cantarei mil sambas pra você, parceiro, amanhã, no Renascença. Os nossos e de tantos outros iluminados com tuas rimas e tesouros.

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