Rio - Por conta desse lado hepático da vida, venho tropeçando em botequins mais vagabundos, desde a jurubeba no barril, o chão melado na dose pro santo, o cuspe que delimita o seu lugar no balcão. Conheci na carne o agreste sabor dessas ucas em infusão — boldo, feno-grego, cobra e açafrão — bebi pura ou, tradiconal, a batida de limão.
De comida, corajosas porções de camarão, moela, pé de porco, testítulos de peru, rã aos montes, todos de proCeDência ignorada. Essa conjunção, variando de bairro, formava o cardápio de qualquer birosca de rua, teto encardido, luz nos irmãos Cosme e Damião.
Acontece que a televisão coloriu. O telefone, linha e aparelho, deixou de ser do vizinho de porta que recebia às dez da noite uma ligação: — Desculpe, mas posso falar com o fulano?
Tudo mudou.
Na busca de assunto, um parágrafo qualquer, rodei pelo Centro beliscando em pequenos bares, taças e acepipes no mesmo tamanho. Coisa pouca, mas uma reação que derruba qualquer gráfico do Banco Central brasileiro. Beber nesta cidade é coisa pra rico!
Os banheiros melhoraram, confesso. Difícil é entender as placas que indicam os sexos, mas estão lá, limpos. Já a traiçoeira cachaça de Minas, docinha com as canas de Salinas, deixou de ser o carro-chefe de pinguços e hoje, 40 graus acima, vale o mesmo que um legítimo escocês da alta patente monárquica.
A justificativa beira o ufanismo: — Salve o produto brasileiro! Mas, quando fui a Cuba, um rum carta ouro, vendido até em posto de gasolina, regulava em preço ao nosso cafezinho de despedidas.
Bem, se eu for falar em vinho, hoje não vou terminar. Tintos e brancos na cotação diária de uma moeda, dessas famosas, e você a pé na Praça Paris, com o seu cartão de crédito apostando a tarja magnética que a via é francesa.
Não arrisque antigos paladares, sardinha, carne-seca ou jiló. É capaz de a tua noite terminar na cozinha, lavando pratos, por falta de dinheiro. Os ingredientes, tratados a cifrões, ganharam status de salmão defumado, de caviar iraniano em quitandas cariocas.
Meu avô diria que a vida está pela hora da morte e eu, nesse passeio, conheci o relógio.
Nem sei como será na Copa do Mundo. O jeito será reviver os piqueniques. Farnel completo, subir o Rio Maracanã na altura do estádio, estender a toalha perto da murada, abrir um Sangue de Boi qualquer e, no delírio final, gritar gol na cativa de esquina. Só assim.
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