Rio - Cony republicou uma crônica de 2009 sobre Fernando Pamplona que, como escreveu, nos foi roubado na semana passada. Roubo a ideia, citando trechos da entrevista que deu para o ‘Pasquim’ em 1981: “Não fui o primeiro carnavalesco; sempre houve, antes mesmo das escolas de samba. A presença do artista intelectualizado nas agremiações carnavalescas existe desde o século passado. Quem fez os primeiros estandartes do Ameno Resedá foi Farme de Amoedo (que virou rua em Ipanema). Além dos artistas, havia também participação dos ‘operários’ da classe artística. Antes das sociedades de escolas de samba, as agremiações carnavalescas eram feitas pelos maquinistas teatrais.
A partir de Pedro II, o teatro sempre esteve presente em todos os eventos carnavalescos (...). Vocês querem saber como entrei na brincadeira? Eu tinha uns 5 ou 6 anos, no território do Acre (mais um carioca padrão não nascido no Rio, como João Saldanha), quando vi cinema mudo; só que, ao invés de olhar a tela pela frente, ficava atrás dela, porque era onde estava a orquestra. Ouvi bumba meu boi, me ensinaram o que é saci-pererê, matita-pereira; meu interesse foi despertado para uma coisa fundamental chamada cultura popular, que é a única coisa que identifica um povo. Corte cinematográfico: estou no Rio do Janeiro, ainda garoto. A batalha de confete da Rua Dona Mariana, pra mim, era uma continuação dos contos de fada que minha mãe contava.
Margeando o Cemitério São João Batista, eu cantava um samba calcado em cima da ‘Valsa dos Patinadores’, que mais tarde fui saber que era do Mano Décio de Oliveira: ‘Vem, meu amor, me consolar/ és a primeira mulher/ que não sabe amar’ (...). Vocês perguntaram se Joãosinho Trinta teria existido sem mim. É uma grande besteira. Se eu tivesse caído do navio e me afogado, outros teriam vindo. Uma vez estávamos em Santa Teresa quando apareceu este garoto vindo do Maranhão, desprovido de tudo. Fez exame para o Theatro Municipal (Pamplona foi cenógrafo de lá durante anos), onde foi colega da minha mulher. Com aquele tamaninho dançava muito. Era incrivelmente habilidoso. Por exemplo, ninguém fazia máscaras como ele. Obstinado, passava a noite sem dormir quando tinha um trabalho a fazer.”
Pamplona, que reinventou o desfile das escolas de samba, era generoso e elegante como um mestre-sala, sempre com sua camisa de linho branca. O tempo parecia não deixar marcas nele. A porrada foi maior porque, quando nos foi roubado, tinha a mesma cara e a mesma energia de 32 anos atrás.