Rio - Alguns brilhantes compositores brasileiros resolveram remar contra a própria história de luta contra a censura. Reunidos no grupo Procure Saber, artistas como Caetano Veloso e Djavan defendem artigos do Código Civil que, na prática, são capazes de impedir não apenas a publicação de biografias, mas até a divulgação de notícias em jornais, revistas, rádios e TVs.
Os artigos, que se chocam com a liberdade garantida pela Constituição, admitem a proibição da “divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa”. Isto, se a divulgação atingir “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” ou se destinar “a fins comerciais.” Se dependesse do que está escrito, não saberíamos das safadezas feitas nos governos:não dá para tratar de fatos sem citar seus autores.
O problema é que artistas resolveram pegar carona nas restrições. O caso mais notório é de Roberto Carlos, que conseguiu impedir a circulação de um ótimo livro, que, apesar da censura, servirá como fonte para qualquer pesquisador interessado em sua carreira. Levados ao pé da letra, os artigos vedariam praticamente todos os livros de não ficção, até mesmo o ‘Verdade Tropical’, de Caetano, onde ele cita cerca de 800 pessoas. Cada uma poderia pedir sua exclusão da obra. Não custa repetir:ninguém é livre para injuriar, caluniar ou difamar uma pessoa. O biografado que se sentir atingido tem sempre o direito de recorrer à Justiça, é assim em todo o mundo civilizado.
Em artigo da empresária Paula Lavigne, o grupo diz não abrir mão de “remuneração correspondente” por eventuais biografias. Neste ponto, os artistas confundem obra, resultado de seu talento e trabalho, com vida. Vidas não são propriedades; são, digamos, obras coletivas, que todos construímos com nossos amigos, amores, filhos, pais e, mesmo, adversários.
A vida de pessoas públicas se confunde com a sociedade em que elas estão inseridas, uma tem influência na outra, são inseparáveis. Caetano, Djavan e Gilberto Gil não seriam quem são se não houvesse o Brasil, inspiração maior de suas criações. É fundamental — até mesmo para eles — permitir que suas trajetórias sejam contadas de maneira livre e independente.
Registro: a professora citada no artigo anterior chama-se Denise Ferreira da Silva, titular do Queen’s College London.