Rio - Na campanha presidencial de 2014, veremos reprisar o que tanto afetou a de 2010: o fator religioso. O debate em torno da questão do aborto assumiu muito mais importância do que demandas urgentes, como melhoria da Saúde e da Educação, ou projetos de emancipação nacional, como a Reforma Agrária e a preservação da Floresta Amazônica.
Aborto e outros temas ligados aos direitos reprodutivos e à sexualidade são apenas o biombo que encobre algo muito mais ameaçador: o fundamentalismo religioso como força política.
No Brasil, embora a ‘questão religiosa’ esteja formalmente equacionada desde o século 19, quando houve a separação oficial entre Igreja e Estado, há um óbvio ressurgimento da apropriação do espaço público por instituições religiosas.
Não cabe aqui a distinção entre esfera pública reservada ao Estado e esfera privada à religião. Público e privado são duas faces de uma mesma moeda e não podem ser separadas.
A religião tem o direito de expressão pública e de recusar ao Estado o monopólio do controle da sociedade. Porém, assim como o Estado não tem o direito de ‘professar’ uma religião e atuar contra o pluralismo religioso, não se pode admitir que a religião se aproprie do Estado para universalizar, via legislação civil e mecanismos de controle, seus princípios e normas doutrinários.
Ano que vem, definidas as candidaturas, elas terão de dizer a que vieram e para que vieram. Na caça aos votos, os candidatos serão pressionados pelos lobbies religiosos para dar mais importância à temática do moralismo farisaico, que insiste na pureza das mãos sem que se abram os braços aos pobres e excluídos caídos à margem da sociedade, na contramão do que ensina a Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37).
Frei Betto é escritor, autor de ‘Fome de Deus – fé e espiritualidade no mundo atual’ (Paralela)